Título: O Brasil precisa agir e rápido
Autor: Trigueiro, André
Fonte: O Globo, 09/02/2007, Opinião, p. 7

O mais alarmante relatório já divulgado pela ONU sobre os impactos do aquecimento global não deixa dúvidas sobre a urgência das ações que governos, empresas e sociedade deverão empreender daqui por diante no sentido de reduzir a intensidade das catástrofes previstas.

No caso específico do Brasil, onde 75% das emissões de gases estufa se concentram nas queimadas da Amazônia, está mais do que na hora de o governo promover a certificação da madeira, da carne bovina e da soja procedentes daquela região do país, inibindo a comercialização do que seja produzido em áreas de floresta ocupadas ilegalmente por madeireiros, pecuaristas e sojeiros. A certificação é um passo importante para que o consumidor tenha a oportunidade de escolher o que lhe interessa, segundo seus valores e conveniências.

Em resumo: quem não quiser agravar a destruição da Amazônia e o aumento do efeito estufa, teria a chance de comprar apenas produtos certificados.

Outra medida oportuna seria fazer com que as montadoras de veículos reduzissem progressivamente as emissões de gases estufa dos motores. Pelas atuais regras do Programa de Controle de Emissões Veiculares, as montadoras são obrigadas a cumprir metas e prazos para reduzir as emissões de alguns gases poluentes, mas o texto da Resolução do Conama nº 315, de 2002, não estabelece qualquer compromisso dos fabricantes em reduzir as emissões dos gases que agravam o aquecimento global, em particular de CO2 (dióxido de carbono), apontado pelos cientistas como o principal gás estufa.

A esperada elevação do nível do mar também deveria inspirar cuidados especiais num país com mais de 8 mil quilômetros de costa. A maioria absoluta dos brasileiros - e dos prefeitos das cidades litorâneas - desconhece os resultados de um estudo encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente, segundo o qual 40% das praias brasileiras são mais vulneráveis ao avanço do mar. Foram identificados pelo menos 22 pontos de maior vulnerabilidade em nossa costa, dos quais se destacam as regiões densamente povoadas próximas de estuários, como Rio de Janeiro e Recife.

O estudo recomenda ainda que toda nova construção em áreas urbanas deveria guardar uma distância mínima de 50 metros do ponto onde termina a areia da praia. Nas regiões ainda desocupadas, a distância mínima deveria ser de 200 metros. É preciso dar visibilidade aos resultados dessa pesquisa, e reprogramar as estratégias de ocupação da orla.

Na área da educação, é urgente a atualização dos conteúdos pedagógicos nas escolas e universidades, no sentido de informar com clareza e objetividade sobre a maior de todas as crises ambientais, e o que é possível fazer para reverter esse processo no longo prazo. Professores e alunos devem ser instigados a participar ativamente da construção de um novo mundo sem emissões de gases estufa. O que está em jogo, nos termos colocados pelos cientistas da ONU, é a nossa sobrevivência.

Assim como acaba de fazer a Prefeitura de São Paulo, que instituiu como obrigatória a compensação das emissões de gases estufa em qualquer tipo de evento a ser realizado nos 32 parques públicos da cidade (os organizadores de shows, concertos, exposições e eventos do gênero terão de medir antes as emissões de gases estufa e se comprometer por escrito a compensar essas emissões com o plantio de árvores), o governo federal poderia repetir essa iniciativa, sinalizando um cuidado que todos devem ter daqui para a frente.

Na área das compras públicas, que movimenta aproximadamente 10% do PIB brasileiro, o governo federal incluiria como exigência, nos editais de licitação para a aquisição de produtos e serviços, a informação relativa às emissões geradas por cada fornecedor. Poderia não ser o quesito mais importante do edital, mas a simples exigência criaria um ambiente bastante favorável à eficiência energética e redução do desperdício.

O fato de o Brasil não estar na lista dos países desenvolvidos que historicamente mais contribuíram para o aquecimento global não nos livra do compromisso ético de reduzir as emissões de gases estufa. Nesse sentido, é preciso agir. E rápido.

ANDRÉ TRIGUEIRO é jornalista.

O impacto das usinas no rio Madeira

SÉRGIO FRANÇA LEÃO

Os estudos de impacto ambiental (EIA) das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, vêm recebendo comentários que freqüentemente revelam desinformação sobre a natureza do projeto e os estudos ambientais em si. Em primeiro lugar, é necessário destacar que o Termo de Referência que orientou a preparação do EIA foi elaborado a partir de discussão pública prévia realizada pelo Ibama. Em segundo, o consórcio responsável pelos estudos de viabilidade (Furnas-Odebrecht) respondeu a todas as questões e esclarecimentos solicitados pelo Ibama, em várias rodadas de discussões. Em terceiro, o EIA e seu relatório (Rima) foram submetidos a quatro audiências públicas, onde todas as críticas da sociedade puderam ser apresentadas e respondidas.

Participaram das audiências em Rondônia no último mês de novembro mais de 3 mil pessoas e foram feitas (e respondidas) centenas de perguntas. Constatou-se na ocasião o alto grau de detalhamento dos trabalhos e o foco ambiental do projeto. Na fase dos estudos de inventário, chegou-se a considerar a construção de uma única usina, de maior queda d'água. Essa possibilidade foi logo descartada, pelo que representaria de impacto: a área inundada seria de mais de 1,5 mil km¼. Com duas usinas de baixa queda, a inundação além da calha natural do rio vai atingir uma área seis vezes menor, de cerca de 250 km¼. Isso será possível porque as turbinas empregadas, do tipo bulbo, permitem gerar energia com quedas da ordem de 15 metros, usando a alta velocidade natural do rio Madeira. Registre-se que essas usinas a fio d'água são largamente empregadas nos principais rios da Europa.

Juntos, Santo Antônio e Jirau vão gerar 6,5 mil MWh - meia Itaipu. Mas o território alagado além da calha do rio será cinco vezes menor do que o alagamento de Itaipu. Acrescente-se ainda que nenhuma área indígena será afetada pelo projeto. Santo Antônio e Jirau são dois aproveitamentos hidrelétricos no trecho do rio entre a capital de Rondônia, Porto Velho, e Abunã, perto do Acre e da Bolívia. Estão próximos da fronteira, mas ficam completamente dentro do território nacional. O Brasil é um dos países mais favorecidos pela natureza com fontes de energia hidráulica, portanto, limpa e renovável. Cerca de 20% de toda a água doce do mundo estão em território brasileiro. Os países mais desenvolvidos já utilizaram praticamente todo o seu potencial hidroelétrico, mas o Brasil ainda tem uma imensa reserva a desenvolver. Não usamos ainda a metade do que poderíamos.

Graças às recentes exigências da legislação e de uma consciência ambiental cada vez mais presente na sociedade brasileira, pode-se afirmar que o uso do potencial hídrico pode e deve coexistir com a proteção do meio ambiente, minimizando os impactos negativos e respeitando os direitos das populações ribeirinhas. Desde o início, os empreendimentos de Santo Antônio e Jirau foram planejados exatamente para atender a esses requisitos.

Outra conseqüência das usinas de baixa queda e das turbinas bulbo é que os reservatórios são muito reduzidos e mantêm o fluxo do rio sem a formação de lagos represados. A passagem das águas pelos reservatórios de Jirau e de Santo Antonio durará em média um dia, mantendo praticamente inalteradas as condições originais de fluxo. A passagem rápida das águas permitirá a continuidade do transporte de sedimentos pelas barragens, diferentemente do que dizem os críticos. Essa é uma característica fundamental do projeto, pois o Madeira é um tributário que carrega praticamente a metade dos sedimentos que chegam ao rio Amazonas. Com a passagem de cerca de 80% dos sedimentos já no primeiro ano de operação, principalmente a parte mais fina do sedimento, pode-se afirmar que tanto a fertilidade das várzeas abaixo de Porto Velho quanto a turbidez natural do rio serão preservadas.

Essa manutenção do regime de vazões do rio é um fator favorável à continuidade da migração dos peixes pelo rio Madeira. Aliás, os estudos ambientais dedicaram grande atenção aos peixes e sua migração. Para garantir que essa passagem rio acima continue, os projetos vão incluir canais especialmente projetados, reproduzindo as condições naturais que os peixes encontram hoje nas corredeiras de Santo Antônio, de Teotônio e de Jirau. Uma experiência pioneira de um canal em Itaipu, uma barragem de altura muito superior às do Madeira, evidencia que a biodiversidade e o fluxo gênico dos peixes migradores poderão ser perfeitamente mantidos após a construção das usinas de Santo Antônio e Jirau.

SÉRGIO FRANÇA LEÃO é engenheiro civil e sanitarista e diretor de meio ambiente da Construtora Norberto Odebrecht, que integra o consórcio responsável pelos estudos de viabilidade do projeto Madeira.

O Brasil ainda não usou metade do potencial hidroelétricoque possui