Título: Menino foi arrastado pelas ruas de 4 bairros
Autor:
Fonte: O Globo, 09/02/2007, Rio, p. 11

No trajeto, testemunhas gritavam para bandidos pararem. Ladrões fizeram ziguezague para se livrar de vítima

Preso pelo cinto de segurança, João Hélio Fernandes foi arrastado, pendurado do lado de fora do carro, pelas ruas de quatro bairros da Zona Norte, na noite de anteontem. Em alta velocidade, os dois assaltantes percorreram sete quilômetros de Oswaldo Cruz até Cascadura, em cerca de dez minutos. A dupla rendeu a mãe de João, Rosa Cristina Fernandes, de 41 anos, supostamente com uma arma de brinquedo, num sinal de trânsito. Rosa e a filha de 13 anos, Aline, saíram do Corsa, mas a mãe não conseguiu tirar o filho de 6 anos do banco de trás. Os ladrões arrancaram e o menino ficou preso. Ontem, por volta das 15h, dois suspeitos - um de 18 e outro de 16 anos - foram presos numa favela em Madureira.

Algumas testemunhas passaram mal ao ver a cena

Durante o trajeto feito pelo veículo, várias pessoas gritavam, para avisar que havia uma pessoa presa do lado de fora. Muitos não acreditavam na cena e achavam que era um boneco. Outros, chocados, chegaram a passar mal. Os bandidos, no entanto, não atenderam aos apelos e, na delegacia, alegaram que não tinham visto o menino.

- É uma covardia, não temos o que falar. Parece uma tortura e a criança não tinha qualquer culpa - disse Renê Coutinho, operador de máquinas, que viu o garoto sendo arrastado.

Muitas testemunhas que tentaram ligar para a polícia reclamaram da demora do atendimento do número 190.

- Os alunos do Colégio Santa Mônica passavam chorando. O motorista de um Verona, que foi ultrapassado pelo Corsa, não conseguiu prosseguir. E não apareceu qualquer carro de polícia - reclamou o comerciante José Albuquerque.

O titular da 30ª DP (Marechal Hermes), delegado Hércules Pires do Nascimento, no entanto, acredita que os bandidos sabiam que o menino estava preso ao carro. O bandido ao volante chegou a circular em ziguezague, para se livrar da vítima. Além disso, passou em alta velocidade em quebra-molas e olhos-de-gato.

- O objetivo deles era que o menino caísse, mas ele estava preso pelo cinto de segurança. Eles tiveram sangue-frio e sabiam que o garoto estava pendurado. Não tenho outra palavra para defini-los: são uns monstros - disse o delegado.

Motociclista perseguiu carro, mas foi ameaçado

Por onde o carro passava, deixava um rastro de sangue. Na Rua Capitão Couto Menezes, um motociclista começou a perseguir o Corsa para tentar avisar que o menino estava do lado de fora. Próximo ao Largo do Campinho, segundo testemunhas, o menor, que estava ao lado do motorista, debruçou-se para fora da janela com a arma na mão, ameaçando atirar no motociclista caso a perseguição continuasse.

- É uma barbaridade, uma violência. O menino foi batendo com a cabeça no chão, fazendo muito barulho - disse o aposentado Luis Américo.

Dez minutos depois, segundo o delegado Hércules Pires, o carro foi abandonado na Rua Caiari, em Cascadura. Moradores disseram que assaltantes costumam deixar veículos roubados no local. Quando viram o corpo do menino ainda pendurado no carro, moradores ficaram horrorizados.

- Quando vi que havia um corpo ao lado do carro, a sensação foi de pânico. Colocamos um saco em cima, para que ninguém visse mais aquele horror. Por sorte, não havia criança brincando naquela hora. A rua tem pouca iluminação e, nos últimos meses, cinco táxis e dois carros de passeio roubados foram abandonados neste mesmo lugar - disse uma moradora, que pediu para não ser identificada.

Os dois assaltantes deixaram o local andando e invadiram uma casa em construção, para abandonar os documentos da vítima. Nesse momento, eles teriam se separado. O bandido maior de idade teria ido à sua casa, onde bebeu água, tomou banho e trocou de roupa.

Quando o pai do bandido menor de idade chegou em casa, no Morro São José da Pedra, em Madureira, às 22h, o ladrão já estava no local. Ele disse que serviu o jantar ao filho. Depois, o assaltante maior de idade chegou e os dois criminosos foram a uma festa de rua promovida pela Igreja São Braz.

- Eu me sinto como se fosse o pai da criança que morreu. Estou revoltado. Cheguei em casa às 22h e ele estava lá. Não sabia o que tinha acontecido. Estou muito triste de saber que foi o meu filho, ouvi isso dos lábios dele. Ele nasceu em berço evangélico. Sempre ensinei a palavra do Senhor. Voltei a estudar para que ele também não largasse a escola. Eu estou na sétima série e ele na sexta, no Colégio Estadual Republicano, em Madureira - disse o pai do bandido.

Secretário promete mais policiamento

Beltrame comparece a velório em Sulacap e classifica o crime como bárbaro

A comoção com a morte do menino João Hélio Fernandes levou o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, ao cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap. O secretário esteve no velório, onde prestou solidariedade à família. Beltrame classificou o crime de bárbaro e admitiu que é preciso rever o policiamento na cidade, garantindo que vai aumentar o efetivo.

- Estamos todos estarrecidos por esse ato de banalização à vida. Eu também sou pai. Posso fazer idéia da dimensão da dor dessa família.

A secretaria aguarda o cumprimento do decreto do governador Sérgio Cabral que determina a volta, aos seus batalhões de origem, dos policiais cedidos a outras instituições. De acordo com Beltrame, a secretaria vem fazendo reuniões periódicas com o comando dos batalhões, para analisar onde colocar policiais.

- Esse tipo de crime bárbaro tem que ser combatido com ostensividade. Temos que ter mais policiais na rua. É a nossa meta a curto prazo - disse Beltrame.

O secretário afirmou que o plano de segurança para o Rio deverá ser feito a longo prazo. Beltrame disse que, se alguém tem um plano de curto prazo, ele não tem valor:

- Não adianta adotarmos medidas emergenciais e atitudes cirúrgicas que não mexam efetivamente com o problema. Estamos cumprindo etapas. A primeira delas é aumentar a ostensividade.

O governador Sérgio Cabral afirmou ter ficado chocado com a morte do menino:

- Tenho que me solidarizar com a família e com o casal que perdeu barbaramente a sua criança. Foi realmente algo que me chocou muito.

O comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo, também esteve no velório. Segundo ele, o fato de os bandidos terem passado por quatro bairros com a criança sendo arrastada por fora do carro não demonstra que falta policiamento nas ruas.

- A distância não faz diferença. Se o policiamento estivesse na rua que aconteceu o crime, aí sim poderia ser evitado. Ele foi brutalmente assassinado. A culpa não é da polícia, é dos criminosos - justificou.

O presidente da Comissão de Segurança Pública da Alerj, deputado Wagner Montes (PDT), disse ontem que vai pedir ao Ministério Público estadual que indique um promotor para acompanhar as investigações do caso. A comissão também pretende participar dos trabalhos. Ele criticou o baixo número de policiais nas ruas:

- O batalhão de Rocha Miranda tem cerca de 400 policiais e é responsável por uma área com 94 favelas. Precisamos aumentar o efetivo.

"Esses seres abomináveis ainda terão direito a banho de sol, futebol e visitas íntimas, isso se ficarem presos, não fugindo logo depois. Precisamos colocar esses bandidos trabalhando de 6h às 17h (...)"

GUSTAVO OBERHOFER

Em mensagem para O Globo Online

"Só há uma saída para as barbaridades que assolam o Rio. Pena de morte. Para bárbaros, só com penalidade máxima. Foi pego num flagrante ou mesmo confessou um crime bárbaro como este, pena de morte"

SONIA DUARTE

Em mensagem para O Globo Online