Título: A cidade chora por João
Autor:
Fonte: O Globo, 09/02/2007, Rio, p. 11

Morte de menino arrastado por ladrões de carro provoca comoção e revolta

O crime bárbaro que matou João Hélio Fernandes Vieites, que completaria 7 anos em 18 de março, destruiu uma família e partiu o coração da cidade e até do país. Nas ruas, no velório e no sepultamento do menino, só havia espaço para comoção e revolta. Acostumados a lidar com fatos e cenas chocantes, policiais e profissionais da imprensa não contiveram o choro. João Hélio foi arrastado por sete quilômetros na noite de anteontem, por bandidos que roubaram o carro de sua mãe e arrancaram com o veículo antes que ela conseguisse tirá-lo do banco de trás. O menino ficou preso pelo cinto de segurança. As marcas da violência ficaram pelas ruas por onde o carro com os bandidos passou, deixando um rastro de sangue.

O estado do corpo quando foi encontrado chocou a todos. PMs não conseguiram chegar perto. Muitos sentaram na calçada e choraram. Até peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) da Polícia Civil emocionaram-se.

- É uma cena que jamais vou esquecer. Ele estava pendurado pelo cinto como se fosse uma roupa no varal, pela barriga. A irmã saiu correndo para tentar salvá-lo. A mãe gritava muito e chorava - disse Joice Neto, que passava pelo local na hora do assalto e levou a mãe e a irmã de João na delegacia.

Aline, de 13 anos, que estava no banco do carona no momento do assalto, estava inconsolável durante o enterro do irmão. Os pais, Hélcio Lopes Vieites e Rosa Cristina Fernandes Vieites, não paravam de chorar. "Desculpa por não conseguir te salvar", "eu quero ir com ele", "eu vou ficar com ele até o fim", "vou matar aqueles dois" e "ele não pode estar morto" foram algumas das frases que Aline gritou emocionada, enquanto o corpo baixava à sepultura.

No velório, a comerciante Andréia Tavares, prima do menino, desabafou:

- É revoltante uma situação dessas. Não adianta prender. A cada dia piora a violência nesta cidade. É muito difícil. A polícia está trabalhando, mas parece que não adianta. Eles (os bandidos) se reproduzem como carrapatos. Não destruíram só o Joãozinho, destruíram uma família.

Hélio Lopes, tio de João, passou mal ao falar com repórteres no cemitério:

- Meu sobrinho é mais uma vítima da violência, que vocês já presenciaram tantas. A família está transtornada.

Online tem recorde de comentários

O secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, e o comandante-geral da PM, Ubiratan Ângelo, foram ao velório para confortar a família. Muito emocionados, os dois choraram junto ao corpo. Segundo parentes da vítima, Ubiratan ficou em prantos. O comandante contou que um sargento, ao chegar ao local onde estava o corpo do menino, chorou e não conseguiu passar a ocorrência pelo rádio:

- Ele não conseguiu transmitir a mensagem pelo rádio por causa da emoção. Uma ação que qualquer aspirante executa.

A tragédia provocou um recorde de comentários de internautas no Globo Online. Em 12 horas, mais de 2.500 mensagens foram enviadas sobre o caso. A maioria dos comentários pedia rigor na punição dos responsáveis pelo crime. O recorde anterior era de 1.775 comentários no ano passado, quando os deputados tentaram aumentar os próprios salários.

O internauta Veríssimo Vieira de Melo contou que passou pelo carro dos bandidos, mas não percebeu que havia uma criança sendo arrastada pelo veículo: "Eu passei por esse carro ontem (quarta-feira) em (no bairro de) Oswaldo Cruz. Nunca podia imaginar que aquilo pendurado por fora era uma criança. Vi também o motoqueiro buzinando logo atrás".

O sentimento de identificação com o sofrimento dos pais da criança também foi relatado nos textos.

"Estou tentando há horas fazer algum tipo de comentário, mas, sinceramente, não consigo, pois a cada vez que me passa a cena na cabeça, começo a chorar... Tenho filhos, na mesma faixa etária do jovem João Hélio, ainda um anjo, sem qualquer tipo de maldade em seu coraçãozinho", escreveu Walmar de Abreu.

A diretora da escola Crianças e Cia, na Abolição, onde João estudava, Maria Cecília Cury defendeu ações urgentes para conter a violência:

- O que estamos vendo no Rio é a progressão da violência , a banalização da vida.

Também presente ao enterro, Sebastião Santos, do Movimento Viva Rio, disse que não adianta apenas procurar culpados:

- Qual a resposta que a sociedade vai dar a isto? Não é um fato isolado. São ônibus queimados, chacinas, pessoas executadas à luz do dia. A sociedade tem que dar uma resposta.

Uma criança alegre e de bem com a vida

O empresário do ramo de papelaria Hélcio Lopes Vieites não foi anteontem ao Centro Espírita Leon Denis, em Bento Ribeiro, como fazia todas as quartas-feiras com a família. Ele foi se encontrar com o pedreiro, que fazia a reforma da casa nova, comprada no Méier, para a qual planejava se mudar em breve. O filho João Hélio Fernandes Vieites, pela primeira vez, teria um quarto só seu, separado do da irmã. Foi o menino que escolhera a cor da parede do quarto, segundo o tio Marcos César Vieites: verde, a cor que ele mais gostava.

- Só podemos falar do João com muita alegria, porque era uma criança muito feliz. Era hiperativo e fazia natação e futebol para tentar aliviar um pouco a ansiedade. Na quarta-feira, o pai dele foi na aulinha de futebol e ele marcou o primeiro gol, estava super feliz. O Joãozinho cantava músicas em inglês, decorava gibis da Mônica e do Cebolinha para contar à família - contou Marcos.

O crime que matou João Hélio aconteceu depois que a família saiu do centro espírita e seguia para casa. O menino, a mãe Rosa Cristina Fernandes Vieites e a irmã Aline participaram, junto com outras 1.200 pessoas, de um estudo do evangelho.

A família morava há um ano numa casa própria num condomínio no bairro Cavalcante. Com 62 casas, o condomínio tem segurança 24 horas. Um empregado contou que Rosa Cristina levava e buscava João Hélio diariamente na escola Crianças e Cia, na Abolição.

Numa turma com 12 alunos, o menino cursava o primeiro ano (antigo CA) pela manhã. Ele começou a estudar no colégio em 2005 e, segundo a diretora Maria Cecília Cury, era uma criança que participava ativamente das atividades escolares.

- O João parecia estar sempre de bem com a vida. Era uma criança linda por dentro e por fora - contou a diretora.

Um desenho de João Hélio no início do ano letivo está no mural da escola. No trabalho, dedicado à mãe, ele desenhou três pessoas e revelou seus sentimentos por Rosa Cristina: "eu gosto dela".

Funcionários da Crianças e Cia choraram ao saber da morte de João Hélio. Os pais dos alunos receberam um bilhete da direção, informando sobre o crime. A escola funcionou ontem e abrirá hoje. Os professores foram orientados a responder hoje perguntas dos alunos sobre o ocorrido.

"O que vão dizer os nossos senhores da justiça e da legislação (...)? O que dizer de uma legislação que protege criminosos cruéis menores de idade (...)? O que dizer mais uma vez?"

ANDRELLI MARCELLI OLIVEIRA

Em mensagem para o Globo Online

"Pensem bem: essa mãe, por cumprir a lei (...), foi massacrada. Espero que agora a lei exista para ser modificada (...). As nossas leis são do tempo que os bandidos roubavam mariola."

EDERVAL GONÇALVES SANTOS

Em mensagem para o Globo Online

ARRASTADO PELAS RUAS DE 4 BAIRROS na página 12