Título: Rivais palestinos formam governo de unidade
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Fonte: O Globo, 09/02/2007, O Mundo, p. 32

Em Meca, Hamas e Fatah concordam com cessar-fogo e respeito a acordos com Israel

Depois de mais de um ano de uma luta declarada e violenta pelo poder nos territórios palestinos - considerada a pior crise interna palestina desde a criação do Estado de Israel, em 1948 - Hamas e Fatah assinaram ontem um acordo para a formação de um governo de unidade nacional. Os dois lados concordaram com um cessar-fogo e afirmaram esperar que o novo governo volte a receber ajuda internacional, principalmente dos EUA e da União Européia (UE), que impuseram sanções depois que o Hamas chegou ao poder nos territórios palestinos em janeiro de 2006. Depois de três dias reunido em Meca, na Arábia Saudita, o premier Ismail Haniyeh, do Hamas, o líder político do grupo radical Khaled Mashaal (exilado na Síria) e o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, do Fatah, "superaram todas as suas diferenças", segundo informou um porta-voz do Hamas.

Apesar de o texto assinado pelos líderes não conter uma referência ao reconhecimento formal de Israel - um dos principais pontos de divergência entre o moderado Fatah e o radical Hamas, que não reconhece o país - Abbas disse que, pelo acordo, o novo governo palestino de unidade "respeitará resoluções da lei internacional e acordos previamente assinados entre palestinos e Israel". Tanto Meshaal como Haniyeh, segundo porta-vozes de Abbas, declararam ter concordado com "todos os termos do acordo" e o cessar-fogo foi anunciado para "entrar em vigor imediatamente".

- Estamos prontos para respeitar os acordos com Israel se eles não contradisserem os interesses palestinos - disse uma fonte do Hamas, logo após a assinatura do acordo.

O acordo ainda prevê a permanência de Haniyeh no cargo de premier, mas o vice-chefe de governo será do Fatah. Três dos principais ministérios - Finança, Relações Exteriores e Interior - serão ocupados por independentes. O Fatah ocupará cinco ministérios e o Hamas, oito, incluindo Economia, Trabalho e Justiça.

A crise entre Hamas e Fatah se intensificou com a eleição do Hamas para o Parlamento. Desde setembro, no entanto, facções armadas dos dois grupos passaram a se enfrentar principalmente na Faixa de Gaza - confrontos que deixou 90 mortos somente em dezembro de 2006. Além disso, sob o governo do Hamas, a situação da população palestina se deteriorou com a suspensão das doações internacionais. Ontem, a assinatura do acordo foi recebida com festa nas ruas de Gaza.

- Não ficamos felizes assim há muito tempo - disse Abu Ali Saleh, que foi juntamente com uma multidão às ruas celebrar o cessar-fogo.

EUA, Israel e Abbas: tentativa de negociação

Abbas disse esperar que as sanções sejam suspensas e, para uma maior aceitação do acordo por Israel e EUA, teria pressionado por uma posição mais clara do Hamas. O presidente pediu para que o grupo radical explicitasse no documento que "se comprometeria com afinco" em suspender as hostilidades e a aceitar Israel. Mas não teve sucesso:

- Um reconhecimento explícito de Israel está fora de cogitação - disse Ghazi Hamad, porta-voz do Hamas.

Diante disso, não se sabe se Israel e EUA aceitarão suspender as sanções. Há uma reunião marcada, para o dia 19 deste mês, entre o premier de Israel, Ehud Olmert, Abbas e a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice - no que está sendo considerada uma importante tentativa de retomar as negociações por um acordo de paz, há muito tempo suspensas.

O HAMAS

ORIGENS: O Movimento de Resistência Islâmica foi fundado em 1987, no começo da primeira Intifada, movimento de revolta palestina contra a ocupação israelense da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. O seu projeto declarado a curto prazo é obrigar Israel a sair dos territórios ocupados em 1967 e, posteriormente, constituir um Estado islâmico em toda a Palestina histórica, delimitada pelas fronteiras anteriores a 1948. No seu programa ainda consta o objetivo de destruir o Estado de Israel. Possui um amplo projeto social, com escolas, hospitais e centros para a assistência à população carente, o que torna o grupo muito popular entre os palestinos.

RELAÇÃO COM ISRAEL: O grupo insiste em não reconhecer a existência de Israel, apesar de agora evitar pregar a destruição do Estado israelense. Israel continua classificando o Hamas como grupo terrorista e se recusa a manter relações com seus líderes.

SITUAÇÃO POLÍTICA: Ganhou força política com a vitória nas eleições do ano passado, mas se desgastou por causa da falta de recursos, das greves e da crise com o Fatah.

O FATAH

ORIGENS: O nome é resultado da sigla do Movimento Nacional de Libertação da Palestina. Foi fundado na década de 50 por Yasser Arafat para promover uma luta armada com o objetivo de libertar a Palestina do controle israelense. Em pouco tempo se tornou o maior movimento político nos territórios palestinos e, após reconhecer a existência do Estado de Israel, passou a protagonizar as negociações com os israelenses, que culminaram nos Acordos de Oslo na década de 90. O Fatah foi o grande articulador da Autoridade Nacional Palestina e seus membros são responsáveis pela criação da estrutura de governo e das forças de segurança.

RELAÇÃO COM ISRAEL: O presidente Mahmoud Abbas defende a volta das negociações de paz com o governo israelense e é um crítico feroz da resistência armada palestina e dos ataques contra alvos civis em Israel.

SITUAÇÃO POLÍTICA: As eleições de janeiro de 2006 fortaleceram o Hamas e deixaram a liderança do Fatah em uma posição defensiva. O controle das forças de segurança, no entanto, continuam em poder do grupo.

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