Título: O pecado é fingir que não erramos¿
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 10/02/2007, O País, p. 3

Governador baiano diz que PT deixou de discutir idéias e virou partido `de máquina¿

Ruim com eles, pior sem eles. Este foi o raciocínio do eleitor que votou no PT e no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de todos os escândalos de corrupção que envolveram o partido nos últimos dois anos. A opinião é do governador da Bahia, Jaques Wagner, autor da maior façanha eleitoral do PT depois da reeleição de Lula. Em entrevista concedida ao GLOBO quinta-feira à noite, no gabinete despojado, quase impessoal, que ocupa, Wagner disse que, apesar da vitória, o PT não pode varrer para debaixo do tapete a sujeira acumulada pelos escândalos, sobretudo o que levou o partido a financiar partidos aliados, no caso do mensalão.

Ricardo Galhardo

Muitos esperavam que o senhor assinasse o texto "Mensagem ao Partido", do grupo que defende a refundação do PT, com o patrocínio do ministro Tarso Genro. Por que não assinou?

JAQUES WAGNER: Nesta fase não me dediquei muito à vida orgânica do PT. Passei um ano e pouco segurando aquilo que todo mundo sabe que aconteceu em Brasília. Saí daquilo, nem tive tempo de respirar direito e vim para uma campanha aqui que não era fácil. Sou independente historicamente no PT. Os grupos internos têm todo o direito de existir, está na regra do PT, mas eles engessam e enrijecem o debate interno. A origem da crise é que o PT sempre teve brigas no início, mas no confronto positivo de idéias. Daí a gente foi crescendo, foi ocupando máquinas em prefeituras e de deputados, que também têm máquina. As idéias diminuíram e passamos a ter brigas de máquinas. De quem tem o exército mais forte. A idéia não é fundamental. O único documento que me foi trazido foi o do Tarso Genro. Eu tinha problemas com o termo refundação e acabaram trocando por reconstrução.

Por que o senhor não concorda com refundação?

WAGNER: O partido não foi destruído. Teve problemas de crescimento, como tiveram outros, com desvios de conduta. Então é possível rever, aprimorar, criar mecanismos para que isso não volte a acontecer, e continua. Quando você entra numa luta de máquina acontece o seguinte: para ter máquina precisa ter estrutura, para ter estrutura tem que ter dinheiro e para ter dinheiro é, bom, tem que ter de qualquer jeito. E para ter dinheiro de qualquer jeito você vai afrouxando o seu código de procedimento. Isso dá no barulho que deu.

Qual o motivo?

WAGNER: O pessoal fica falando aí em mensalão. Eu, pessoalmente, que não tive parte naquele negócio, não tenho dúvida de que aquilo partiu de um planejamento. Acabou uma eleição e já se está pensando na outra: ¿Em 2004 vamos eleger 2.000 prefeitos senão a gente não chega bem em 2006¿. Aí como é que elege 2.000 prefeitos? O PT elege? Não. Então começa a fazer as composições: ¿Aqui a gente não pode ter candidato para apoiar alguém do PTB ou do PL¿. E quem é que vai ajudar na campanha? Pronto! Deu naquilo que todo mundo já sabe.

É a origem da crise?

WAGNER: A matriz dos nossos problemas está aí. Os mandatos começaram a valer mais do que a estrutura partidária, todo mundo sabe disso. Todo mundo se reúne em torno de mandato porque o mandato banca. Um deputado contrata. Quando o partido foi crescendo, passou a depender mais de estrutura. Aí, ou você tem financiamento público ou todo mundo fica correndo atrás de como é que se financia e dá nisso. Este é o momento que estamos vivendo. Um partido que era só de idéias e começa a ocupar a máquina. Mas, apesar da porrada que a gente tomou, o povo disse: ¿Ruim com eles, pior sem eles¿.

O PT deve fazer uma reflexão sobre os motivos que levaram à crise?

WAGNER: Os erros não podem ser abandonados em hipótese nenhuma. O maior pecado que a gente poderia cometer é fingir que não houve nada. Mas também não dá para ficar ancorado nesse negócio. Isso não empurra o partido também. O que garante a democracia são sistemas de controle.

A disputa dentro do PT tem como alvo a eleição de 2010?

WAGNER: Eu não acho. Não tem nomes postos. Qual o nome que está posto?

O seu, por exemplo.

WAGNER: Não. Nomes lembrados temos vários. Mas não autorizei ninguém e nem entraria numa loucura dessas de tentar construir uma candidatura a 2010. Não vejo ninguém fazendo isso. As pessoas estão buscando ocupação de espaço. Minha tarefa agora é governar e junto com os aliados ganhar a prefeitura de Salvador em 2008. Em 2009 a gente começa a olhar para o horizonte de 2010. Sempre funcionei assim. Se começar esse papo de 2010 todas as ações que eu vier a fazer passarão a estar contaminadas. Tive uma vitória que tem seu peso histórico. Onde eu passo as pessoas dizem: ¿O senhor é o sucessor do Lula, o senhor derrotou aquele filho disso, aquele filho daquilo¿. Mas, repito, não tem nenhum nome colocado.

O senhor é a favor da anistia ao ex-ministro José Dirceu?

WAGNER: Qualquer cidadão brasileiro submetido a um julgamento político tem o direito de tentar provar sua inocência política. Mas essa não é uma tarefa do partido. É uma agenda dele.