Título: Mistérios cambiais
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 10/02/2007, Opinião, p. 7

Ocâmbio voltou às manchetes. É um antigo problema nosso e, apesar disso, continua obscuro para a grande maioria. Machado de Assis, em uma de suas crônicas jornalísticas, chegou a dizer: ¿De todas as coisas deste mundo e do outro, a que menos entendo é o câmbio.¿ O leitor leigo pode então respirar tranqüilo. Se Machado, gênio indiscutível, confessava essa dificuldade, a ignorância em matéria cambial não deve abalar a auto-estima de ninguém.

O problema é que, às vezes, sintomas de ignorância cambial, ou algo parecido, aparecem em alguns cérebros brasilienses. Refiro-me, em especial, ao comando do Banco Central.

O GLOBO publicou reportagem ontem relatando que ¿a equipe econômica já tem claro que não há intervenções possíveis no mercado para segurar a queda livre do dólar¿. O problema seria apenas ¿passageiro¿, e o câmbio ¿atingiria o seu ponto de equilíbrio com o tempo¿. O ¿vilão¿ ¿ a taxa de juro ¿ está amarrada às metas de inflação, não havendo assim o que fazer.

Confesso a minha perplexidade. Passageiro? O problema da sobrevalorização do real está conosco há alguns anos e vem prejudicando cada vez mais as contas externas e, especialmente, o crescimento do PIB. O balanço de pagamentos ainda se mostra forte, mas o PIB está batendo pino.

Nada podemos fazer? Não se deve perder de vista que nós estamos enfrentando, afinal, o que os franceses chamam de embarras de richesse. É bem mais fácil lidar com um excesso de oferta de moeda estrangeira do que lutar, como tivemos que fazer em muitas ocasiões no passado, contra a escassez de moeda estrangeira. Em conjunturas de crise cambial, o limite para as intervenções do Banco Central no mercado está dado pelas reservas internacionais do país (reforçadas eventualmente por financiamento compensatório do FMI ou de outras fontes), uma vez que o Brasil não emite moeda de liquidez internacional.

Em situações como a atual, o que se tem é um excesso de demanda pela moeda nacional, ou seja, pela moeda que o nosso BC emite livremente. Não há propriamente limite definido para as compras do BC no mercado de câmbio: ele adquire a oferta excedente de moeda estrangeira com moeda de sua emissão, estabilizando a taxa de câmbio. Não se assuste, leitor, não estou pregando a volta da inflação. É claro que intervenções desse tipo (¿não-esterilizadas¿ no jargão econômico) derrubariam a taxa de juro interna. Ao estabilizar a taxa de câmbio, o BC perderia o controle sobre a taxa de juro. A Selic cairia abaixo da meta fixada pelo Copom, o que poderia provocar aumento da inflação.

Esse dilema se resolve com a ¿esterilização¿ do impacto monetário interno, isto é, com a colocação de títulos para retirar a liquidez provocada pela compra de reservas internacionais. É possível, assim, controlar a taxa de juro e a taxa de câmbio ao mesmo tempo. O resultado, porém, é a ampliação do estoque da dívida mobiliária em mercado. Repare, leitor, que a dívida total líquida do setor público não aumenta no primeiro momento, pois a colocação de títulos financiou a aquisição de ativos externos no mesmo montante: cresce a dívida interna, mas diminui a dívida externa líquida (a dívida bruta menos as reservas e outros ativos externos).

Por que o drama então? O problema principal é o custo de carregar as reservas adquiridas para conter ou inverter a queda do dólar. As reservas são remuneradas pelas taxas modestas praticadas no mercado internacional. Os títulos federais colocados em contrapartida à compra de reservas pagam os juros extravagantes decorrentes da política do Copom. A diferença entre as duas taxas deve andar por volta de 7 ou 8 pontos percentuais ao ano.

A mesma taxa de juro extravagante que contribui poderosamente para a valorização exagerada do real onera as operações de compra de reservas que visam a conter ou mitigar o problema.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista. E-mail: pnbjr@attglobal.net