Título: No túmulo de João, o desenho da solidariedade
Autor: Pontes, Fernanda e Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 10/02/2007, Rio, p. 16

Amigos, colegas de escola e desconhecidos enviam mensagens de apoio à família do menino assassinado

Sergio Duran

De um lado, a revolta; de outro, a solidariedade. Um dia depois do enterro do menino João Hélio Fernandes Vieites, amigos e até mesmo desconhecidos da família protagonizaram demonstrações de carinho. Na tarde de ontem, um desenho foi colocado no túmulo de João, preso por um vaso de flores. A autora é Andressa Louise Arruda, de apenas 5 anos, que ouviu os pais comentando sobre a morte de João, em sua casa na Vila da Penha.

¿ Não conhecemos a família do menino, mas fiquei muito sensibilizado. Minha filha é quase da mesma idade. Eu não sabia que ela tinha ouvido meu comentário sobre a morte dele. Uma hora depois, ela me mostra um desenho dizendo: ¿Pai, fiz um desenho desse menino com a gente¿ ¿ contou o comerciante André Luiz Arruda.

Na escola, a solidariedade dos pais dos alunos

Ele comprou um vaso de flores e deixou a folha de papel desenhada com hidrocor, ontem, no intervalo do almoço, no Jardim da Saudade. À caneta, escreveu: ¿De Andressa Louise A. P. Arruda (5 anos) para João Hélio Fernandes (6 anos)¿, e um telefone de contato para prestar condolências, caso alguém da família desejasse entrar em contato.

¿ Não conseguia dormir, fiquei muito emocionado. Minha esposa e eu andamos muito de carro. Hoje (ontem), ela não deixou nossa filha botar o cinto ao levá-la para o colégio. E eram só uns 300 metros. Ficamos muito afetados. Não sabemos mais o que fazer. Imagina a dor que os pais do João devem estar sentindo? ¿ disse Arruda.

Na escola Criança e Cia, na Abolição, onde João Hélio cursava a 1ª série, o carinho foi o mesmo. Pais escreveram nas agendas dos filhos, colegas de classe, mensagens de solidariedade para que fossem enviadas à família. A diretora da escola, Maria Cecília Cury, contou que recebeu diversas ligações de professores e pais que já tiveram filhos estudantes da escola, prestando solidariedade. Ela orientou os professores a não comentar o assunto, mas que deixassem as crianças se manifestar:

¿ Soube que uma das crianças disse que ele agora era uma estrelinha no céu.

Para a colega de classe, um herói

A última imagem que ela tem de João Hélio foi na quarta-feira, quando brincava com os professores, perguntando inúmeras vezes se podia trocar de roupa para ir logo para a piscina. A filha do representante comercial Júlio Martins era colega de classe de João Hélio. Lua Clara, de 6 anos, soube pela mãe que o amigo tinha sofrido um acidente. À noite, os pais disseram que trocaram de canal na televisão quando a menina entrou na sala, mas não conseguiram evitar o comentário da criança:

¿ Minha filha pegou o travesseiro e disse que não queria que mais ninguém tratasse desse assunto e foi dormir. Ela disse que ia se lembrar dele como um herói porque uma vez ele matou uma abelha que a estava incomodando ¿ disse Júlio, emocionado.

A administradora Mônica Tavares Flores foi à escola buscar o filho João, de 3 anos, que cursa o Jardim. Ela contou que tentou evitar que ele tivesse notícias do caso, mas a criança viu uma simulação do crime na televisão.

¿ Não sabia o que dizer a ele. O que me revolta é que daqui a três anos, quando um dos assassinos for solto, meu filho terá a mesma idade do João Hélio. Isso é um absurdo. A sensação é de impunidade e desespero ¿ desabafou Mônica.

Segundo ela, a partir de ontem, o filho só andaria no banco de trás do carro acompanhado de outra pessoa.

O medo de utilizar o cinto de segurança era uma referência freqüente entre os pais. O coordenador de educação do Detran, Gilberto Cytryn, alerta aos pais que o caso de João Hélio foi excepcional conseqüencia de um crime. Segundo ele, o culpado não é o cinto de segurança. Cytryn informa que o uso do cinto salva vidas. No banco de trás, reduz em 71% o número de mortes de crianças de colo e em 54% as mortes de crianças entre 1 e 3 anos.

¿ Com o cinto, o banco de trás é o local mais seguro do veículo. Quando ocorre um acidente, as pessoas sentadas atrás podem ser projetadas para a frente com a força de mais de uma tonelada. É um perigo para todos os passageiros do veículo.