Título: A reação à barbárie
Autor: Pontes, Fernanda e Magalhães, Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 10/02/2007, Rio, p. 16

Revolta com assassinato de João leva governador a propor discussão sobre maioridade penal

Fernanda Pontes e Luiz Ernesto Magalhães

Abrutalidade com que o menino João Hélio Fernandes, de 6 anos, foi morto na última quarta-feira em Oswaldo Cruz, levou a sociedade a uma discussão sobre novas formas de punição de crimes bárbaros. Indignadas, algumas pessoas defendem a pena de morte para os assassinos. Outras pedem mais rigor na legislação para punir menores que cometem crimes violentos. Uma outra corrente, no entanto, acredita que o problema está na ineficiência do estado em cumprir as leis já existentes. Ontem, o governador Sérgio Cabral sugeriu que os estados brasileiros tenham autonomia para legislar sobre questões penais. E afirmou que a maioridade penal no país deve ser repensada:

¿ Hoje, nós temos uma quantidade grande de menores envolvidos com o crime. Essa legislação tem permitido que menores cometam atos bárbaros. Evidentemente, a realidade do Acre ou do Amapá é diferente da realidade do Rio. A legislação não pode ser a mesma. Mas isso tem de ser discutido pela sociedade, não podemos tomar uma decisão no calor de um crime bárbaro.

Cabral citou os estados americanos, que têm autonomia para legislar sobre a maioridade penal:

¿ Há estados nos EUA em que o jovem de 16 anos é punido. Estou levando essa questão para o Congresso. Acho fundamental que o Rio de Janeiro discuta o assunto com governadores de outros estados. O Congresso tem que abrir mão de poder para que os governadores possam legislar.

Juiz sugere dobrar punição máxima

A posição de Cabral não conta com unanimidade. Um dos problemas é o pacto federativo, tradição da República brasileira, que sempre contou com uma legislação unificada, nacional, para todos os estados. O advogado Técio Lins e Silva, representante da seção Rio do Conselho Federal da OAB, considera a proposta demagógica. Segundo ele, o estado deveria investir mais em políticas públicas para atender menores carentes.

¿ A proposta fere o princípio do Estado federativo brasileiro, que se caracteriza por termos uma língua e leis únicas. Hoje, as penas previstas na legislação já são aplicadas de maneiras distintas, conforme a realidade de cada região brasileira. Reduzir a idade penal só aumentaria o número de deserdados nas cadeias, sem perspectivas ¿ disse Técio.

O juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude, Guaracy Vianna, entende que o problema não é a maioridade penal, e sim o tratamento distinto dado pelo Código Penal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ao tempo mínimo em que o preso passa a ter direito à progressão da pena.

¿ Hoje, o menor já pode ser punido a partir dos 12 anos. Mas três anos é o máximo que ele pode cumprir de medida sócio-educativa. Se um adulto for condenado a 30 anos de prisão, passa a ter direito à progressão da pena após seis anos ¿ disse Guaracy, acrescentando que defende, além de critérios mais rigorosos para a concessão da progressão, que o prazo máximo para a punição de um adolescente seja de seis anos.

José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, apóia a idéia de redução da idade penal para situações que ele classifica como cruéis, como a morte de João Hélio. Mas ele discorda da proposta de dar autonomia aos estados:

¿ Antes de alterar a lei, é preciso aumentar a eficiência policial na solução dos casos. O sistema atual já conta com instrumentos para o combate à criminalidade e já confere autonomia aos estados para aplicar penas alternativas. A cada dia, 130 pessoas são assassinadas no país, mas, sempre que há um crime de repercussão como esse, o assunto volta a ser discutido, sem resultados práticos.

O prefeito Cesar Maia tratou do assunto ontem em seu ex-blog, onde defendeu mudanças imediatas no Estatuto da Criança. ¿As cenas de barbárie de um menino arrastado por delinqüentes irrecuperáveis, que já não diferenciam vida ou morte, crime ou direito (....) É hora de se dar respaldo legal para a retirada de menores da rua, compulsoriamente, quando circulam sem destino. Se a matrícula no ensino fundamental é obrigatória, por que estar na rua fora da escola é um direito?¿, escreveu Cesar.

Contrário à redução da idade penal, o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, critica a criação de leis específicas para cada estado. Segundo ele, as mudanças poderiam até dificultar a punição de criminosos:

¿ A regulação do comportamento social tem de ser mantida unificada. Se cada estado tivesse a sua própria legislação, não garantiria que as regras seriam tão rígidas, pela pressão de grupos locais, como o próprio crime organizado.

Clayde Prado Maia, fundadora da ONG Gabrielasoudapaz, em homenagem à filha que morreu baleada no estação São Francisco Xavier do metrô, em 2003, defende que a redução da idade penal seja decidida por plebiscito. Ela acredita que essa pode ser uma solução a curto prazo, enquanto as políticas de inclusão social para menores carentes não surtem efeito. Clayde planeja fazer um protesto contra o crime na missa de sétimo dia do menino:

¿ Menor que comete crime hediondo tem que ser tratado como adulto. O que acontece hoje é que esses menores cometem um crime, chocam todos e depois ficam assistindo à confusão de camarote, sabendo que não serão punidos.

O vice-presidente da Comissão de Segurança Pública da Alerj, Flávio Bolsonaro (PP), é a favor da criação de leis locais contra a criminalidade:

¿ Cada estado precisa estabelecer regras segundo suas peculiaridades ¿ disse ele.

http://www.oglobo.com.br/rio