Título: Juristas engajados usam lei para os mais fracos
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 11/02/2007, O País, p. 13

Grupo que defende pobres, negros, gays, endividados cria jurisprudência e desperta interesse de colegas europeus

Soraya Aggege

SÃO PAULO. Eles são desembargadores, juízes, juristas, e dizem que a Justiça, em vez de imparcial, é comprometida com o poder econômico e político e que certo seria a Justiça assumir um lado: o da maioria pobre, afirmam. Por isso, armam-se de um arsenal modernizante das leis e defendem abertamente os endividados, as empresas em falência, os gays, os negros, os sem-terra, o meio ambiente.

Organizados há 16 anos, os adeptos do direito alternativo encontram resistência nos tribunais. Mas lançam jurisprudência e ampliaram suas bases na academia, com presença em grande parte das 1.200 faculdades de direito do país, atraíram o interesse de juristas europeus e entraram nos tribunais na segunda geração de sua atuação.

¿ O direito alternativo é gay, feminista, negrão, anticapitalista e ecochato ¿ define o desembargador Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, um dos fundadores.

Responsável por acórdãos revolucionários no direito da família, Portanova concede direitos para casais homossexuais, autoriza a troca de nome e sexo nos documentos de transexuais que ainda não fizeram cirurgias para mudar de fato o sexo, reconhece o casamento na umbanda.

¿ Se driblamos a lei? Jamais. Lidamos com o que há de mais avançado na Constituição e com leis de várias áreas. Trata-se de um modernizar jurídico ¿ explica o presidente do Instituto Direito Alternativo, de Santa Catarina, o jurista Edmundo Lima de Arruda Júnior.

Juiz manda religar água e luz de inadimplente

Pequena mas organizada, a corrente jurídica vai promover um evento internacional em Florianópolis, em setembro, com presença de juristas europeus interessados no tema criado no Brasil. Na área acadêmica, livros e teses de mestrado e doutorado têm ganhado mais espaço.

No começo restrito ao Sul do país, o movimento entra em sua segunda geração com adeptos em mais estados, como o Rio de Janeiro, onde estão organizados no Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia.

¿ A Justiça não pode ser instrumento de vingança social nem correia de transmissão das classes mais ricas. Defendemos maior interlocução da Justiça com movimentos populares e a radicalização da democracia interna da Justiça ¿ diz o desembargador do TJ Geraldo Prado.

O juiz Alexandre Corrêa Leite, da 3ª Vara Cível de Cabo Frio obriga as empresas a religar relógios de luz e água de desempregados que não pagaram contas por falta de dinheiro.

¿ Não se pode privatizar a sobrevivência, a vida. Geralmente juízes privilegiam as empresas e condenam quem não tem acesso. A Constituição é a lei maior, e garante o acesso à vida.