Título: No hospital universitário, vítimas de maus-tratos e coação psicológica
Autor: Lins, Letícia
Fonte: O Globo, 11/02/2007, O País, p. 15

Quando chegam no consultório, elas já estão em situação extrema¿

RECIFE. Outro tipo de violência mata devagar as mulheres pernambucanas: maus-tratos, coação física e psicológica, ameaças. Nas quatro delegacias da mulher da Região Metropolitana foram registradas 7.959 queixas no ano passado. O problema passa muitas vezes longe da polícia e chega aos ambulatórios psiquiátricos dos hospitais públicos. O professor do departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Pernambuco João Ricardo Mendes de Oliveira diz que a violência doméstica responde por 30% do total de casos atendidos no departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas.

¿ Recebemos mulheres em torno dos 40 anos. O tratamento é paliativo. O problema é mais grave e não se resolve só com psicoterapia e remédio, porque extrapola os limites do consultório. Essas mulheres precisam de assistência jurídica, apoio moral. Quando chegam no consultório, elas já estão em situação extrema, sofreram por mais de dez anos. Têm com depressão, ansiedade, sintomas de pânico.

Álcool, presente no sangue da maioria dos agressores

Ele atribui ao álcool uma das principais causas da violência doméstica e sugere campanhas preventivas para reduzir o consumo. Levantamento do Departamento de Polícia da Mulher indica que o maior movimento nas delegacias de mulheres ocorre nos fins de semana, quando o álcool é mais consumido. Cerca de 63,51% dos maridos agressores espancam as companheiras entre o sábado e a segunda-feira. E 37% dos assassinos estavam alcoolizados no momento do crime.

X., de 52 anos, mesmo separada, não conseguiu se livrar do pesadelo que lhe impôs o ex-companheiro, com o qual conviveu por dez anos. Ele a espancava tanto que provocou três abortos com socos na sua barriga. Ela também teve uma perna e um braço quebrados, e o pescoço já precisou ser imobilizado devido às surras. E teve um tumor no baixo ventre atribuído pelos médicos às pancadas. Operou-se para tirar um mioma, mas foi surpreendida em casa no pós operatório pelo ex-marido. Ele a estuprou, obrigou-a a fazer sexo anal, e a espancou.

Enquanto relatava o seu drama, X. chorou cinco vezes. Tem gastrite, dor permanente no ventre, nos órgãos sexuais, depressão, ansiedade e sintomas de pânico. O marido já foi denunciado por estupro à polícia, mas continua solto e a persegue, inclusive nas consultas no Hospital das Clínicas da UFPE. Uma vez o ex-marido, que é biomédico, a agrediu no seu próprio trabalho, um hospital público. Ela foi chamar o plantão policial do hospital, mas os colegas dele não deixaram.

¿ Disseram que se eu o denunciasse, ele seria preso. Hoje tenho medo de morrer.

O agressor está solto. Ele é faixa-preta de judô e dizia que sabia onde agredi-la. Ela descobriu que, sempre que a espancava, ele saía para fazer sexo com homens, embora também tivesse amantes do sexo feminino.