Título: A sociedade no limite
Autor: Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 11/02/2007, Rio, p. 19

Barbárie como a que vitimou criança reacende discussão sobre pena de morte.

Selma Schmidt

Aintolerância da sociedade com os bandidos, manifestada em e-mails e cartas enviadas nos últimos dias ao GLOBO e ao Globo Online, deflagrou uma discussão entre especialistas em segurança pública e familiares de vítimas da violência. Muitos leitores e internautas não pensam mais em ressocialização e no aumento do policiamento nas ruas, simplesmente porque não acreditam mais na polícia. O crime bárbaro que matou o menino João Hélio Fernandes Vieites, arrastado por bandidos que roubaram o carro de sua mãe na última quarta-feira, deflagrou uma enxurrada de opiniões, especialmente em defesa da pena de morte, mas também a favor da redução da maioridade penal e até da atuação de milícias.

¿ Sempre que acontece um caso traumático, as pessoas reagem dessa forma. É uma reação de revolta, de tristeza. Mas uma mudança tão séria no Código Penal, como é o caso da introdução da pena de morte, não é para ser discutida num contexto marcado pela emoção. O Estado não pode operar motivado pelas paixões ¿ comenta o cientista político João Trajano, do Laboratório de Análise de Violência da Uerj.

Para Trajano, a adoção da pena de morte não impediria que crimes como o de João Hélio acontecessem. O cientista político acredita que somente a redução da brutalidade com os mais pobres contribuiria para reduzir a violência.

Internauta pede plebiscito já

Estudioso da área de segurança pública, o tenente-coronel PM da reserva Milton Corrêa da Costa pensa diferente. Segundo ele, as opiniões manifestadas por leitores e internautas não são fruto do calor da emoção, mas sim da avaliação sobre a gravidade da segurança no estado:

¿ A morte do menino deveria servir para que alguns juristas revissem seus conceitos sobre a redução da maioridade penal e a implantação da pena de morte. As cláusulas constitucionais têm de deixar de ser pétreas quando se contrapõem ao desejo popular.

Num e-mail, Erik Michael du Mont chegou a convocar as pessoas para que lotem a caixa postal de deputados e senadores, exigindo que seja feito um plebiscito sobre a adoção da pena de morte já. Moisés Santos foi outro internauta a pregar a pena de morte: ¿Quando um crime é hediondo, e não há a menor dúvida de quem são seus autores, nada mais justo que a pena de morte. Não é vingança, como dizem pseudomoralistas. Vingança contra a sociedade é manter esses criminosos vivos com o potencial de cometer novas barbáries¿.

Pai de vítima: revolta momentânea

Pai da menina Gabriela Praddo, assassinada há quatro anos no metrô da Tijuca, Carlos Santiago entende que essas manifestações são um ato de revolta momentâneo:

¿ O caminho de querer fazer justiça pelas próprias mãos é perigoso. Passado o momento de comoção, as pessoas refletem melhor. A pena de morte é discutível. O que se precisa é de uma legislação penal que puna efetivamente os criminosos.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judicial da OAB-RJ), João Tancredo, está entre os que acreditam que a defesa da pena de morte, de milícias e da antecipação da maioridade é fruto da emoção. Para ele, um fato (a morte de João) não pode determinar uma legislação.

¿ A pena de morte não institucional já está instalada no Rio. A polícia do estado é a mais violenta do país. A redução da maioridade também não vai resolver o problema da insegurança. Medidas simplistas nunca dão bom resultado ¿ observa Tancredo, acrescentando que vender segurança, que é atribuição do estado, como fazem as milícias, é uma questão perigosa.

Coordenador de Comunicação do Movimento Viva Rio, o filósofo e teólogo Sebastião Santos vê como natural a reação de internautas e leitores, ao propor medidas radicais. Ele acha, no entanto, que, passado o momento de comoção, haverá a percepção de que a violência gera mais violência:

¿ É preciso buscar soluções que integrem ações da polícia, da Justiça e da sociedade como um todo. Tem de haver ações sociais, polícia nas ruas e leis sendo cumpridas.

Segundo o antropólogo Gilberto Velho, a falência dos instrumentos legais de controle e punição faz com que a população almeje soluções igualmente violentas:

¿ A polícia funciona mal e é parcialmente corrupta; o Judiciário é lento, burocrático e ineficiente; nossa legislação penal é inadequada; e nosso sistema penitenciário é uma fábrica de monstros. Sou rigorosamente contrário à pena de morte, mas sou também contra a impunidade. Os crimes têm que ser punidos à altura, e o sistema penitenciário não pode ser um covil de animais.

Na opinião do antropólogo, a solução para reduzir a criminalidade passa pela reação da sociedade:

¿ A sociedade tem de ter um papel mais ativo, exigir, pressionar as autoridades ¿ afirma Velho.

Já o sociólogo José Cláudio Souza Alves, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, avalia que a população, com medo, acaba ficando refém do discurso de que bandido bom é bandido morto:

¿ Essa é uma grande mentira que acaba se perpetuando. A questão da segurança e de insegurança gerou um grande mercado. Um dos grupos que mais lucram com a insegurança é o das milícias, que vendem o seu serviço ¿ afirma José Cláudio.

A FORÇA ELEITORAL DAS MILÍCIAS nas páginas 22 e 23