Título: Procuram-se projetos
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 11/02/2007, Economia, p. 33

De R$51 bi para saneamento e habitação no PAC, estados não usam 90% dos recursos.

Geralda Doca

Afalta de projetos em infra-estrutura, principalmente em saneamento e habitação, áreas que são prioridade para o governo Lula, pode prejudicar a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Devido à incapacidade técnica que leva a erros de formatação ou ausência de profissionais qualificados nos quadros de prefeituras e estados, o governo federal só tem em mãos R$5,3 bilhões em projetos nos dois segmentos, para um total de R$51,1 bilhões reservados a eles no pacotão pró-crescimento até 2010.

A radiografia mostra que se o PAC dependesse só desses projetos, encaminhados por prefeituras, estados e concessionárias do serviço público, não conseguiria investir 90% dos recursos programados. Nos cálculos do governo e do BNDES, em saneamento, por exemplo, só há projetos previstos para 2007.

O quadro pode ser ainda pior, pois os dados refletem uma carteira selecionada pelo Ministério das Cidades com base em cartas consultas, nas quais há apenas um projeto básico, sem detalhes das obras e se estão dentro das exigências ambientais e de regularidade fundiária.

Água e esgoto: sem projetos para 2008

Ao todo, os pedidos de financiamento para obras de tratamento de água e esgoto somam R$3,9 bilhões para os R$3 bilhões que o FGTS reservou ao setor neste ano. Como 25% deles não passam pelo crivo do Tesouro Nacional por causa da capacidade de pagamento, em tese todos os projetos existentes serão atendidos ainda em 2007.

Para saneamento integrado ¿ que permite melhorias em favelas ¿ o governo anunciou R$1 bilhão a fundo perdido este ano (R$4 bilhões até 2010). Mas os projetos com essa finalidade atingem só R$600 milhões. Até o fim do segundo mandato de Lula, estão previstos R$40 bilhões.

¿ Todo o estoque de projetos será gasto neste ano. Não temos projetos para 2008 ¿ reconheceu o diretor da Área de Inclusão Social e Crédito do BNDES, Élvio Gaspar.

Na área de habitação, o cenário também é desalentador. Dos R$3,6 bilhões disponíveis para resolver o problema de moradia das famílias mais pobres (até três salários mínimos), existem projetos para atender apenas R$780 milhões. Para os quatro anos, o governo pretende investir R$11,1 bilhões, incluindo verba do Orçamento e do Pró-Moradia, com dinheiro do FGTS.

¿ Precisaremos buscar projetos ¿ afirmou a diretora da Urbanização e Assentamentos Precários do Ministério das Cidades, Mirna Chaves.

¿ A dificuldade de projeto é geral ¿ reforçou o secretário substituto de Saneamento do Ministério das Cidades, Sérgio Gonçalves.

Segundo dados do Ministério do Planejamento, dos cerca de 5.600 municípios brasileiros, apenas 300 já apresentaram projetos ao governo federal para obter financiamentos na área de habitação e saneamento. Os demais, a grande maioria municípios pequenos, não dispõem de pessoal capacitado para elaborar esses projetos e, por isso, não entram na disputa pelos recursos do FGTS.

A falta de projetos não significa ausência de demanda nessas duas áreas. O número de pedidos enviados ao Ministério atingiu R$8 bilhões, mas metade foi descartada por falta de consistência. Técnicos das Cidades alertam que muitos municípios, onde há alto índice de pobreza e mortalidade infantil, deixam de receber o recurso apenas porque não têm condições de executar a obra.

Dinheiro para Magé foi e voltou sem uso

Em alguns casos, o dinheiro até vai para o caixa da prefeitura, mas fica parado e é devolvido depois de dois anos, como determina a legislação. Isso aconteceu em Magé, no Rio, em 2003, quando o município recebeu R$2 milhões para resolver o problema de famílias desabrigadas por uma enchente.

Os números do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) confirmam que, por falta de preparo técnico e outras pendências do projeto, há dinheiro parado e obras que não andam. Segundo levantamento da Caixa Econômica Federal, há 42 projetos habitacionais empacados hoje, num total de R$300 milhões. Eles se encontram em municípios como Cubatão, Guarujá e São Bernardo do Campo (SP), Florianópolis (SC), Itaboraí (RJ), Fortaleza (CE) e Belém (PA). Na maioria da vezes, há pendências técnicas.

Em saneamento, há 65 projetos pendentes por falhas técnicas, licença ambiental ou problemas jurídicos. Estão nesse rol as cidades de Venda Nova do Imigrante (ES), Águas Lindas de Goiás (DF), Açailândia e Imperatriz (MA), Itajubá e Poços de Caldas (MG), entre outras.

O número de projetos parados nos dois segmentos é hoje uma das principais preocupações do governo. Segundo o ministro das Cidades, Márcio Fortes, uma obra de R$10 milhões, valor médio das operações, quando é contratada sem projeto, leva 18 meses para que sejam elaborados e fechados os detalhes que o deixam pronto para a licitação. Depois são mais dois anos para completar o desembolso.

¿ A gente contrata, acha que a obra está andando e quando vai ver está tudo parado ¿ lamenta Fortes.

Entre 2003 e 2006, o governo contratou R$1,45 bilhão em projetos de habitação, mas apenas R$393 milhões foram de fato aplicados na construção de moradias e urbanização de favelas ¿ ou seja, apenas 27% do total. Dos 2.110 contratos, 183 foram cancelados por problemas. No saneamento, o quadro também se repete: dos R$12,8 bilhões destinados ao setor, R$5,12 bilhões viraram obra de fato.

COLABOROU Regina Alvarez

GOVERNO TENTA MELHORAR PROJETOS, na página 34