Título: Precisamos oxigenar e renovar a direção do PT
Autor: Galhatdo, Ricardo
Fonte: O Globo, 12/02/2007, O País, p. 8

Governador de Sergipe defende novo modelo de organização do partido, que valorize a participação do militante.

Visto como liderança emergente no PT, o governador de Sergipe, Marcelo Déda, é um dos autores do texto ¿Mensagem ao Partido¿, que deflagrou intensa disputa entre os petistas por defender a ¿refundação¿ do partido. Segundo Déda, o 3º Congresso Nacional do PT, em julho, não pode ser transformado num tribunal para punir os responsáveis pelos escândalos que abalaram o partido, mas deve lembrar a necessidade de instalação de comissões de ética para apurar as origens das crises e discutir a criação de novos canais de participação para os militantes.

¿ Houve um afastamento das bases do partido e das instâncias partidárias dos processos deliberativos.

Por que a disputa interna ficou fora da reunião do diretório nacional do PT?

MARCELO DÉDA: A reunião foi marcada mais pelo clima de comemoração dos 27 anos. Foi um ato que teve como tarefa principal deflagrar a o processo de convocação do 3º Congresso. Por isso não tivemos grandes problemas nem maiores conflitos. O PT passa por um momento bom. Saímos fortalecidos das eleições, elegemos cinco governadores, conseguimos a maior votação para a Câmara e reelegemos o presidente Lula. Agora elegemos o presidente da Câmara e estamos construindo uma aliança fundada em um projeto de coalizão.

O momento bom se estende ao governo Lula?

DÉDA: Pela primeira vez desde que o presidente Lula assumiu, o governo federal tem um projeto de investimentos que recolocou o crescimento no vocabulário político e econômico do Brasil.

As disputas internas não podem prejudicar esse clima positivo tanto no PT quanto no governo?

DÉDA: A disputa integra o DNA do PT e não é de modo algum prejudicial. O que pode prejudicar é a transformação da disputa em conflito. Como o 3º Congresso é um fórum de discussão ideológica e programática, não é um espaço para levantar crachás e escolher a direção, acredito que poderemos realizar um dos mais profundos debates da história do PT, preservando nossa unidade política. Agora, um dos valores mais caros do PT é a possibilidade de qualquer militante defender propostas, levá-las às instâncias do partido e fazer o enfrentamento democrático. No dia em que o preço da boa performance administrativa do PT for o silêncio das suas instâncias, estaremos começando a certificar o ocaso do partido.

Esse direito de debate não foi cerceado nos últimos 15 anos, em que um só grupo tomava as decisões e as impunha ao partido?

DÉDA: Independentemente da avaliação que possamos ter dos métodos desta ou daquela corrente, de algumas vezes a disputa política ter transcendido os limites do racional e ter passado a ser quase que uma guerra civil, o partido cresceu, avançou a sua representação política, ampliou sua base social e eleitoral dentro de uma tradição democrática de disputa. A grande interrogação que nós fazemos é se o modelo clássico de hegemonia no PT ainda pode oferecer alguma contribuição ao crescimento do partido. Na minha opinião, ele esgotou-se porque houve uma série de problemas na condução desse processo de ampliação; houve um afastamento das bases do partido e das instâncias partidárias dos processos deliberativos. Com o isolamento desse grupo, testemunhamos a eclosão de uma grave crise política mas com reflexos éticos que abalaram profundamente e que chegaram a pôr em risco o projeto do partido. Não se trata de jogar fora a experiência do passado, muito pelo contrário, mas para este novo momento é preciso um outro modelo de organização partidária. Precisamos desobstruir as artérias de discussão do partido, precisamos oxigenar e renovar a direção do PT e não conseguiremos isso se não atualizarmos nosso discurso, nosso projeto e nossa maneira de organização.

Isso passa pelo sistema de tendências que disputam o poder no partido?

DÉDA: É uma questão emblemática. As tendências cumprem um papel importante ao articularem a militância e dão certa qualidade ao debate. Mas de um certo momento para cá, elas se cristalizaram e quase se transformaram em partidos internos dentro do PT. A disputa pelo aparelho partidário passou a justificar qualquer tipo de política e a permitir que cada vez mais a disputa de idéias fosse substituída por uma luta fratricida pelo controle do aparelho. Devemos ter coragem para rever o processo de decisão dentro do partido. Extinguir as tendências e as organizações internas do PT seria um erro, mas precisamos criar mecanismos que permitam que o militante independente possa disputar cargos de direção e ser incorporado às instâncias diretivas do partido. Quanto mais se compartilhar o poder no PT mais chances teremos de recolocar o partido em seu projeto original.

O senhor tem idéia de um novo modelo?

DÉDA: Um modelo pronto e acabado, não tenho, mas acho que o partido precisa rever o processo de profissionalização de quadros. Quando os dirigentes são engolidos pela burocracia e a direção passa a ser uma profissão, muitas vezes a necessidade de se manter naquela posição justifica qualquer tipo de conflito. Para preservar seu espaço de poder e de sobrevivência, vale a pena tudo. O PT precisa de uma estrutura profissional, mas a direção deve ser preservada dos riscos de transformar a profissionalização em um fim em si mesmo. Esse processo eterniza certas pessoas em cargos de direção e impede a renovação dentro das próprias tendências.

Tendo em vista o discurso do presidente Lula no jantar de 27 anos do PT, o senhor acha que ao governo interessam essas mudanças?

DÉDA: Em primeiro lugar, governos gostam de estabilidade. É importante que um militante do PT, como é o presidente da República, traduza as suas demandas enquanto governante: que o partido não abra crises, não estabeleça uma guerra fratricida que leve a divisões ou a prejudicar a performance que a organização partidária possa ter na sustentação do governo. Mas é preciso separar a briga fratricida estéril da disputa política. O pior mal que o PT pode oferecer agora ao governo Lula é interditar o debate. O PT tem uma agenda a resolver e todos temos que ter maturidade para travar essa disputa, mantendo o foco da nossa unidade na sustentação do governo Lula.

A punição aos responsáveis pela crise cabe na agenda do PT?

DÉDA: Há dois caminhos que o PT não pode seguir. Será um equívoco gigantesco transformar o 3º Congresso em uma comissão de ética gigante. É equivocado transformar o 3º Congresso em um comitê de salvação nacional dirigido por um Robespierre para amolar as lâminas das guilhotinas até que outro apareça para cortar o pescoço do próprio Robespierre. Isso vai abrir crises, acirrar divisões e transformar a disputa em guerra civil. O partido tem instâncias para isso. Por outro lado, precisamos fazer com que o partido faça funcionar suas comissões de ética. Isso é natural. Por isso, o outro erro que o partido não pode cometer é ignorar as consequências éticas que a crise produziu na imagem do PT.

O partido deve se engajar na campanha pela anistia a José Dirceu?

DÉDA: Essa é uma agenda do José Dirceu, que como todo cidadão brasileiro tem o direito de lutar pela sua inocência. Não é uma agenda do PT.

O seu nome é sempre lembrado como possível candidato à sucessão de Lula em 2010. Como o senhor encara isso?

DÉDA: Assumi um compromisso com o estado de Sergipe que me impede tratar disso.