Título: Quando vi João arrastado, rezei por milagre
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Fonte: O Globo, 12/02/2007, Rio, p. 14

Na primeira entrevista depois da morte de seu filho, pais de menino morto em assalto falam sobre sua dor

Os pais do menino João Hélio Fernandes Vieites, de 6 anos, romperam o silêncio em que se mantinham desde a morte do filho, na noite de quarta-feira. O menino foi arrastado por bandidos que roubaram o carro de sua mãe e arrancaram com o veículo antes que ela conseguisse tirá-lo do banco de trás. Em entrevista à jornalista Fátima Bernardes no ¿Fantástico¿, a mãe de João, Rosa Cristina Fernandes, contou que pediu aos ladrões tempo para soltar o cinto de segurança de seu filho. Mas seus gritos foram em vão.

¿ Ele (um dos bandidos) disse: ¿Sai, sua vagabunda¿. Aí eu disse: ¿Deixa eu tirar meus filhos. Sai, Aline, tira seu irmão¿. Aí eu falei assim: ¿O cinto está aqui, calma que eu vou tirar!¿. Aí ele: ¿Não, sua vagabunda, anda logo¿. Bateu a porta e arrancou ¿ contou Rosa, chorando muito, ao lado do marido, Hélcio Lopes Vieites.

Naquela noite em Oswaldo Cruz, onde mora, Rosa viu seu filho ser arrastado, preso pelo cinto. João foi carregado por sete quilômetros, por ruas de quatro bairros da Zona Norte.

Na reportagem, também foi reproduzida uma carta escrita pela irmã do garoto, Aline, de 14 anos. No texto, ela pede a redução da maioridade penal, também exigida por sua mãe. Elas estão revoltadas porque um dos bandidos tem 16 anos e, por lei, só pode ficar no máximo três anos detido. Na carta, a irmã fala da comunidade virtual ¿Joãozinho pede justiça¿, que ela criou no site de relacionamentos Orkut.

A seguir trechos da entrevista da mãe de João:

O CRIME: Eu vinha naquela via, que dá retorno para minha casa. Tinha um sinal. Sei que de noite a gente não deve parar em sinais. Mas tinha um ou dois carros parados. Nesse momento, dois homens correram para os carros. Na mesma hora, dois de trás saíram armados. Aí um deles falou: ¿Sai! Sai, sua vagabunda!¿ Aí eu: ¿Deixa eu tirar meus filhos. Sai, Aline! Tira seu irmão!¿ Aí falei assim: ¿O cinto está aqui! Calma que eu vou tirar!¿ E ele: ¿Não! Sai, vagabunda! Anda logo!¿ Bateu a porta e arrancou. Quando vi que ele (João) foi arrastado, sabia que não tinha como tirá-lo da morte. Mas ainda rezei por milagre.

REVOLTA: Surge revolta porque vejo que não são todas as pessoas que têm uma alma boa. Tem pessoas que não têm coração. Têm uma pedra.

A IRMÃ: Aline está péssima. Ela viu como eu vi, o João sendo arrastado. Não sei como fica a cabeça dela, é o tipo de cena que não vai acabar da nossa mente.

MUDANÇA NA LEI: Os governantes precisam olhar o João como um filho. E não como mais um. ¿Ah! morreu mais um e amanhã outro João morre¿. Não pode. Tem que mudar. Tem que rever a legislação. O Rio de Janeiro tem que ter legislação específica. Se os menores de 18 anos cometem crimes bárbaros, eles têm que ser punidos. Eles não podem só ficar três anos presos para daqui a três anos matar outro João. Eles não têm coração.

FUTURO: É muito difícil imaginar o futuro. A gente estava reformando a casa (a família comprou há pouco uma casa no Méier), dando mais espaço para João andar de bicicleta.

DESEJO: Só quero que isso marque uma mudança no país. Ninguém pode sofrer assim.

O pai de João também se emocionou durante a entrevista:

ELOGIO: Eu (Hélio) soube pelos jornais que o pai de um dos marginais sentiu a nossa dor e denunciou o filho (Reginaldo, pai de Diego Nascimento, de 18 anos, cedeu uma foto do filho, o que ajudou a polícia a encontrar o bandido). Ele sentiu a nossa dor. Minha filha escreveu sobre isso na carta.

DOR: Eu (Hélio) estive na casa (do Méier) depois do crime e chorei muito. Na segunda-feira (dois dias antes do crime), o Joãozinho desenhou numa lousa branca um coração e, do lado, a marca da mãozinha dele. Toda madrugada a gente acorda imaginado que ele vai passar na nossa frente.