Título: Perigo de piorar
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 13/02/2007, O Globo, p. 2

É louvável que a Câmara tente corresponder à comoção nacional com a tragédia do menino João Hélio e acelere a votação de projetos voltados para o combate à violência. Sinal de que está buscando a sintonia perdida com a vontade popular. Mas, do jeito que foi montado o pacote, o resultado pode ser inverso. Há nele projetos que, se aprovados, trarão retrocesso em vez de avanço.

A população está querendo respostas de um dos poderes públicos de que algo será feito para conter a escalada de violência, o descaso crescente pela vida e a audácia dos criminosos diante de um sistema que não incute o temor da punição. Sete em cada dez detentos voltam a cometer crimes depois que ganham a liberdade, que hoje é obtida com incompreensível facilidade. Blogs, sites e cartas de leitores não têm o valor de pesquisas, mas são amostras do sentimento de uma parcela da sociedade. Basta acessá-los de sexta-feira para cá para se constatar a indignação e a cobrança por respostas. A ministra Ellen Gracie, presidente do STF, foi muito criticada pelos leitores, pelo menos no Globo Online, por ter dito que a legislação penal não pode ser alterada em ambiente emocional. Os legisladores, entretanto, devem ser capazes de agir racionalmente mesmo nessas horas.

A medida mais cobrada é a redução da maioridade penal, que só pode ser adotada por emenda constitucional. Não há no pacote qualquer proposta nesse sentido, seja por falta de consenso ou porque nenhuma chegou a cumprir as etapas de tramitação. Há controvérsia entre os especialistas sobre sua eficácia, mas há um clamor para que seja votada ou para que seja chamado o plebiscito.

Mas não estando esse assunto na pauta, voltemos aos projetos do pacote. Há medidas boas, como a criação do Rede Penitenciário de Segurança Máxima, o RDD-Max ou a proibição de liberdade condicional para os reincidentes. O mais positivo e mais compreensível deles é o que estabelece a necessidade de cumprimento de um terço da pena, e não de um sexto, como atualmente, para que os condenados por crimes hediondos tenham direito à progressão da pena. Em outras palavras, podem ganhar redução da pena ou liberdade provisória. Um sexto é muito pouco para que seja contemplado com tais benefícios quem seqüestrou, matou ou violentou. Mesmo um terço parece pouco.

O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que vem de uma carreira de juiz federal, aponta um projeto do pacote que, a seu ver, é claramente regressivo. É o que altera o Código Penal no que diz respeito à prisão preventiva. Hoje, ela é permitida, a critério do juiz, quando há provas ou indícios fortes de culpa. Ou quando o suspeito representa ameaça para a ordem pública ou econômica. Pelo projeto, ela só poderá ser decretada para crimes cuja punição é superior a quatro anos de prisão. E, com isso, uma série de outros crimes, diz o deputado-juiz, seriam premiados com a impossibilidade da prisão preventiva. Um estímulo à impunidade. Praticantes de crimes de formação quadrilha e contra ordem econômica e administrativa, por exemplo, ficariam a salvo. A punição dos crimes de violência doméstica acaba de ganhar legislação mais severa, mas ela seria neutralizada por esta inovação, segundo o deputado.

O presidente da associação dos procuradores federais, Nicolau Dino, aponta outro projeto que, ao invés de combater, estimula a impunidade. É o que estabelece "embargos infringentes de ofício". Isso significa que, se um criminoso não for condenado por unanimidade, terá direito automático a novo julgamento. Ora, se já está tão difícil prender e levar criminosos a julgamentos, imagine-se o quanto não ficará difícil condená-los se for exigida essa unanimidade que, de resto, dificilmente ocorrerá. Isso significaria, diz ele, uma regressão do processo penal brasileiro a antes de 1941.

Apressar a votação é bom, mas com muito cuidado.