Título: Unidos pela dor
Autor: Motta, Cláudio e Pontes, Fernanda
Fonte: O Globo, 15/02/2007, Rio, p. 16

GUERRA DO RIO

Missa por João na Igreja da Candelária se transforma em painel da violência na cidade

Cláudio Motta e Fernanda Pontes

Mais do que uma homenagem ao menino João Hélio Fernandes, a missa celebrada ontem na Igreja da Candelária, no Centro, foi um ato de protesto contra a violência do Rio. Cerca de mil pessoas estiveram na cerimônia para pedir paz e justiça. Faixas, cartazes e camisetas lembravam os nomes outras dezenas de vítimas do crime na cidade, muitos que sequer tiveram repercussão. Integrantes do movimento Rio em Paz entregaram uma carta ao governador Sérgio Cabral, que foi lida em voz alta, sugerindo a formação de comissões autônomas no estado e cobrando mais ações na áreas de educação e saúde. Após a missa, centenas de manifestantes seguiram em passeata pelas ruas do Centro até a Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), onde fizeram um minuto de silêncio, rezaram de mãos dadas e cantaram o Hino nacional.

Vestidos com camisetas brancas escritas "João Hélio um anjo pela paz", os pais do menino, Hélcio Vieites e Rosa Cristina Fernandes, agradeceram o apoio da sociedade. Durante a cerimônia, o casal e a filha Aline, de 14 anos, estenderam uma bandeira do Brasil no altar.

- Eu queria agradecer por todas as mensagens que foram prestadas hoje. Que essa solidariedade se transforme em luta para alcançarmos a paz. A vida que temos hoje no Rio de Janeiro não é digna para a gente e para os nossos filhos. Ninguém mais pode ser vítima dessa monstruosidade. A mudança precisa ser imediata - disse Hélcio.

Revoltada, Aline disse que pena de morte é pouco para os bandidos que mataram cruelmente seu irmão, no dia 7, em Oswaldo Cruz:

- É fundamental mudar a lei da maioridade penal. Se eles cometem os crimes, precisam ser pUnidos. Se foi adulto para fazer, por que não é adulto para pagar? Pena de morte eu não sou a favor, não resolve, é pouco para eles.

Parentes de vítimas se mobilizam

Além do drama da família de João Hélio, parentes e amigos de outras vítimas da violência se mobilizaram contra a insegurança. Nomes como Dayana Ribeiro, Gabriela Prado Maia, Priscila Belfort, Rodrigo Netto (Nettinho), Tim Lopes, entre muitos outros, foram lembrados durante o protesto.

Baleada em 2003 na universidade Estácio de Sá, no Rio Comprido, Luciana Novaes foi uma das primeiras a chegar na Candelária.

- Temos que nos unir para ver se conseguimos acabar com essa impunidade - disse ela, que ficou com dificuldades para falar e se locomover.

O protesto levou as famílias às lágrimas. Muitas reviveram a trágica morte de seus parentes:

- É triste ver mais uma família passando o que nós já sofremos e ainda com mais crueldade. A impunidade tem de ser combatida. Vejo a solidariedade de quem se movimenta pela dor da perda, mas as pessoas têm que se mobilizar contra a violência - afirmou Cleyde Prado Maia, mãe da Gabriela Prado e uma das organizadoras do ato.

Maria Castro, de 54 anos, protestou contra a morte do filho Tiago, de 26 anos, ocorrida há menos de dois meses próximo do local onde foi encontrado o corpo de João Hélio:

- Meu filho foi assassinado pelas costas durante um assalto em Cascadura em dezembro. Ele estava com amigos e foi atingido depois que tinha saído do veículo. Os bandidos, provavelmente, eram da mesma quadrilha - disse Maria, ao lado do cartaz do filho.

Acompanhado da mulher Adriana, o governador Sérgio Cabral foi aplaudido pela multidão. Aos gritos, manifestantes desesperados pediam "justiça" e "mudança". Quando a cerimônia parecia ter sido transformada num enorme protesto, o padre Nixon Bezerra, da Paróquia de Acari, pediu silêncio lembrando que a igreja é uma "casa de oração". Durante a cerimônia, padre Nixon afirmou que "João é um mártir da violência":

- Que esse martírio terrível do João sirva para que nós aprendamos a lutar pelo nosso direito à vida, à paz e à liberdade. Não podemos perder a esperança. Vamos reagir com paz diante da guerra.

A carta entregue ao governador foi lida em voz alta durante a cerimônia. No texto, manifestantes expressaram o medo de viver na cidade e propuseram a criação de comissões autônomas, formadas por cidadãos, com a função de ajudar a fiscalizar a aplicação das leis. Também cobraram educação, saúde e cultura em todos os bairros da cidade. O trecho lido foi um dos mais aplaudidos na igreja.

Ao sair da Candelária, Cabral voltou a pedir autonomia dos estados para legislar:

- Chega de uma legislação absolutamente fraca, modesta, tímida. A legislação com o criminoso tem que ser muito dura. Um bandido não pode cumprir um terço da pena depois de ter cometido um crime bárbaro.

Após o fim da missa, cerca de 600 pessoas, segundo a PM, seguiram em protesto contra a impunidade pela Avenida Rio Branco até a Cinelândia e depois seguiram para a Alerj, onde participaram de uma reunião com representantes da Comissão de Direitos Humanos. No caminho, Tico Santa Cruz, vocalista do banda Detonautas, liderou o protesto. Durante a caminhada, ele lembrou da morte do guitarrista Nettinho, em junho de 2006:

- As pessoas pedem paz, mas ela só pode ser conquistada através do exercício da cidadania. É fundamental oferecer educação, escolas, hospitais públicos de qualidade. Os políticos e suas famílias deveriam ser obrigados a usar o serviço público. Talvez assim se sensibilizassem.

Paulo Rogério Ferreira disse que ainda tem esperanças de rever a prima Dayana Ribeiro, que desapareceu do Riocentro no dia 12 de janeiro quando voltava de uma micareta:

- A morte de João Hélio foi muito cruel e provocou o sofrimento de todos, mas nós não sabemos se a Dayana está viva ou não.