Título: Quem sabe algum dia querem punir o feto
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 17/02/2007, O País, p. 10

SEGURANÇA: Para presidente , governo deve responsabilizar os culpados, mas não pode tomar decisões de forma emocional

Lula condena urgência na aprovação da antecipação da maioridade penal e diz que Estado é responsável pela criminalidade

Ricardo Galhardo

SÃO PAULO. Em discurso para centenas de jovens trabalhadores, na inauguração de um call-center, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se mostrou contrário à urgência na aprovação do projeto que antecipa a maioridade penal para 16 anos. Segundo Lula, o Estado não pode tomar decisões com base na emoção.

- Fico imaginando que se a gente aceitar a diminuição da idade para 16 anos, amanhã estarão pedindo para 15, depois para 9, depois para 10. Quem sabe algum dia queiram punir até o feto se souberem o que vai acontecer no futuro - disse o presidente.

Segundo Lula, cabe ao Estado garantir a punição exemplar dos culpados por crimes bárbaros, como a morte do garoto João Hélio, de 6 anos, e criar mecanismos para coibir os crimes, mas as autoridades não podem agir pressionadas pelos que pedem vingança.

- Vi muita gente querer vingança a curto prazo e eu dizia que o Estado não pode agir emocionalmente. O Estado deve agir com ações de toda sua estrutura para que possamos criar mecanismos para que isso não aconteça e, ao mesmo tempo, que a gente puna exemplarmente para não permitir que gestos como este voltem a acontecer. É exatamente nestes momentos que precisamos não permitir que apenas a emoção haja mas que prevaleça a razão.

Jovens presos não viveram num país com crescimento

O presidente se colocou no lugar dos personagens da história de João Hélio e disse que qualquer pessoa poderia fazer com os bandidos o mesmo que eles fizeram com o menino.

- Eu, não como presidente da República mas como ser humano, você (Alberto) Goldman, não como vice-governador, mas como ser humano, a gente pode agir emocionalmente. E a gente fica imaginando se a gente estivesse naquele lugar, naquele instante e a gente pudesse fazer alguma coisa o que a gente faria? Certamente faríamos (com os criminosos) quase a mesma barbaridade que eles fizeram com aquela criança- comparou.

Para Lula, o Estado também tem responsabilidade nos altos índices de criminalidade.

- Fiquei pensando nos milhões e milhões de jovens da idade de vocês e que, por razões quaisquer, não tiveram o bom encaminhamento na vida que vocês tiveram. Certamente, menos por culpa deste próprio jovem, mas Quem sabe por culpa de erros cometidos pelo Estado brasileiro ao longo da sua história, de não dar à juventude a atenção necessária para que ela pudesse significar definitivamente o futuro desta nação.

Lula lembrou que muitos dos jovens que hoje lotam as cadeias nunca chegaram a viver em um país com índices satisfatórios de crescimento.

- Eles são o resultado de um momento longo de quase 25 anos em que o Estado brasileiro não cumpriu com suas funções para com grande parte do seu povo. Fico me perguntando se seria justo punir apenas Quem cometeu a barbaridade e esquecer de fazer a punição de Quem é o culpado por este jovem ter chegado a esta situação.

Lula arrancou aplausos dos jovens que conseguiram o primeiro emprego na unidade de call-center inaugurada ontem pela Atento, do Grupo Telefônica.

- A cara do Brasil são vocês - afirmou.

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