Título: Faltam 3.396 vagas para menores
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 18/02/2007, O País, p. 3

Em meio à discussão sobre repressão maior, país não tem estrutura para internar infratores

Soraya Aggege

Em todo o país, são pouco mais de 150 meninos que cometeram crimes hediondos, como os que mataram João Hélio Fernandes, no Rio de Janeiro. Representam 1% dos 15.426 menores infratores internados no país. Mesmo assim, não existe, no Brasil, nenhuma unidade especial de reclusão para eles. Ao contrário. Na realidade, Faltam pelo menos 3.396 vagas para internação de menores infratores. Só nos estados do Sudeste, cujos governadores vão ao Congresso na quarta-feira pedir a ampliação do teto da reclusão de três anos para até dez anos, Faltam 865 vagas. Os dados são da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério da Justiça.

- Aumentar o tempo de internação comprometeria ainda mais o sistema. Por outro lado, se a medida fosse aplicada apenas para os que usam de crueldade, não superlotaria ainda mais, porque eles só representam 1% do universo de internados. Mesmo assim, não temos em todo o Brasil uma unidade sequer para atendimento especializado desses cruéis ou mesmo sociopatas- afirmou a subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmem Oliveira, que também é presidente do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

País tem 685 menores em cadeias

Na prática, ao mesmo tempo em que as autoridades falam em aumentar as punições, o Brasil não tem estrutura sequer para cumprir a própria legislação vigente, como revelam os levantamentos da Subsecretaria. No próprio número da superlotação, de 22% da população total de internos, há pelo menos 685 menores fechados em cadeias, o que é ilegal. E o pior: esse número de adolescentes em cadeias é a soma dos estados que admitiram a irregularidade. Podem ser mais, alerta Carmem Oliveira.

Comparado a balanços anteriores, a lotação entre 2002 e 2006 cresceu 28%. Consideradas apenas as internações provisórias, o aumento foi de 34% nos últimos quatro anos. Já o regime de semiliberdade (os meninos só dormem nas unidades, porque praticaram delitos mais leves) cresceu só 9%. A avaliação da subsecretaria é de que tem prevalecido uma suposta periculosidade dos adolescentes e a internação provisória esteja funcionando como ação emergencial.

O que fazer de fato com os infratores, aumentando ou não o tempo de internação, o governo ainda não sabe, admite a subsecretária. O Conanda, que se divide entre membros do governo e da sociedade civil e tem como atribuição elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento aos adolescentes, também não:

- Na verdade nós ainda não temos uma posição. Por isso, estamos convocando extraordinariamente um debate do Conanda para o dia 26.

"Caso de João Hélio é exceção"

A maioria dos infratores que estão internados, o equivalente a cerca de 85%, entra no sistema porque cometeram delitos contra o patrimônio ou atuam no tráfico de drogas. Os 15% restantes, estimados em 2.159 menores, atentaram contra a vida e 154 usaram de crueldade (1%), pelo levantamento da subsecretária. A idéia geral é que falta uma política de prevenção, dirigida principalmente para essa maioria que não cometeu atentados contra a vida humana.

Medida ainda mais extrema que a pedida pelos governadores do Sudeste (de ampliar o teto de três anos para até dez anos), como o rebaixamento da maioridade penal, têm a oposição da maioria dos membros do Conanda e também não encontram eco no governo.

- Rebaixar a idade penal para 16 anos para casos de furto seria uma temeridade. E há o problema da classificação de "hediondos", por causa dos correlatos, que incluem o tráfico de drogas. Todos sabemos que os menores são usados como "borracha" no tráfico. Temos um sistema penal falido, com 60% de reincidência, contra 20% no sistema socioeducativo (para menores). Levar o menor infrator para o sistema penal pode agravar a situação. Não podemos tomar decisões passionais e equivocadas - disse a subsecretária.

O Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud) está concluindo uma pesquisa de acompanhamento das Varas de Infância e Juventude de vários estados brasileiros e deu indicativos de que, no Brasil, a tendência é de aumento dos crimes de natureza patrimonial e não de atentados contra a vida.

- Esse caso do João Hélio e outros que a imprensa destaca não são a regra, mas a exceção. O debate está desfocado. Em vez de discutir prevenção, as autoridades arrancam mudanças legislativas das mangas - disse a diretora-executiva do Ilanud, Karyna Batista Sposato.

Para o instituto regional das Nações Unidas, o Brasil precisa prevenir o crime e melhorar seu atendimento aos infratores em vez de aumentar períodos de internação ou rebaixar a idade penal:

- Mas o que vemos são estados, como São Paulo e Rio, que têm verdadeiras masmorras superlotadas, sem projetos que afastem os menores do crime, falando em aumentar o prazo de internação - diz Karyna.