Título: Gol: apuração sobre colisão vai até setembro
Autor: Bastos, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 19/02/2007, O País, p. 5

Diálogos gravados na cabine mostram sucessão de erros dos pilotos do Legacy e dos controladores de vôo

Henrique Gomes Batista

BRASÍLIA. A Aeronáutica só deve concluir em setembro o inquérito sobre o acidente entre o Boeing da Gol com o Legacy da ExcelAire, que causou a morte de 154 pessoas. Caso essa previsão se confirme, a investigação terminará quando a tragédia, que ocorreu no dia 29 de setembro de 2006, estiver completando um ano. O objetivo da apuração é evitar futuros acidentes aéreos.

A Aeronáutica informou que são realizadas análises minuciosas sobre os diversos fatores que podem ter contribuído para o acidente, como recursos humanos (pilotos e controladores), sistemas operacionais do controle e sistema de comunicação e aeronaves. A investigação criminal, que deve indicar os culpados pelo pior acidente aéreo da história brasileira, está sendo conduzida pela Polícia Federal. O inquérito tramita na Justiça Federal do Mato Grosso.

Ontem, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou parte dos diálogos entre os pilotos do Legacy e deles com as torres de controle, além das conversas entre os controladores de tráfego de Brasília, Manaus e Recife. As transcrições dos diálogos confirmam a linha de investigação seguida pela PF de que uma sucessão de erros levou ao acidente.

As conversas gravadas revelam uma série de mal-entendidos, reforçados por problemas de idioma, além de dificuldades dos pilotos Joe Lapore e Jan Paladino em lidar com os equipamentos do novo avião. Em certos momentos, os americanos chegam a se sentir perdidos. A transcrição das conversas da caixa-preta do Legacy foi feita pelo National Transportation Safety Board, no Estados Unidos.

"Onde estamos?", diz um dos pilotos, durante o vôo

As transcrições demonstram que a torre de São José dos Campos, no interior de São Paulo, de onde partiu o jato, autorizou o vôo a 37 mil pés. Indagada pelos pilotos a que altitude deveriam voar depois da partida, a torre repete a mesma informação. Na verdade, o Legacy, pelo plano de vôo, deveria seguir a 37 mil pés e, após passar por Brasília, descer a 36 mil, para não ficar na contramão na aerovia.

Após decolar, os pilotos mostram dificuldade com o novo equipamento e com as orientações da carta de vôo.

- Devia ter ensinado isso a você. Ele tem que ser inicializado em algum lugar no teclado - diz um dos pilotos (a transcrição não especifica qual dos pilotos disse isso).

- Eu tenho que ler o livro - responde o outro.

Em outro momento, há mais uma demonstração da falta de intimidade com o equipamento.

- Céu a 2.500. Eu não sei o que TX 35 significa... TN 25. Eu preciso aprender essa porra internacional - diz um dos pilotos.

Em outra ocasião:

- Ainda trabalhando os problemas de como mexer nesta coisa - afirma o outro.

Os pilotos também se sentem desorientados com o mapa de navegação, como revelam diálogos ocorridos antes da colisão:

- Não sei que rio é esse (...) San Félix? - indaga um dos pilotos, e minutos depois faz outra pergunta - Onde estamos?

- Não sei - diz o outro.

Após a colisão, um dos pilotos confirma que eles estavam voando com o equipamento anticolisão desligado.

- Cara, você está com o TCAS ligado? - pergunta um dos pilotos.

- É. O TCAS está desligado.

Após o pouso, e com a certeza de que haviam batido em outro avião, os pilotos dizem que não conseguiram contatos por rádio com a torre e reafirmam que não receberam mensagem alguma para mudar de rota.

- Os caras (controladores) esqueceram da gente. Freqüência anterior esqueceu completamente da gente, e eu comecei a arriscar. Isso não está certo. Eu fiquei sem falar com ninguém por muito tempo. Nós estamos vivos - diz um dos pilotos.

"Ué, Que Gol 1907 é esse?", pergunta controlador

As transcrições revelam, ainda, que os controladores de Manaus e Brasília ficaram perdidos em relação ao avião da Gol. A transcrição do diálogo entre dois controladores deixa claro que isso ocorreu:

- Gol 1907. Irmão, qual o estimado dele para Gol, se já está na minha FIR (área controlada por cada centro) - pergunta o controlador de Brasília.

- Peraí, qual é o cara? - devolve o controlador de Manaus.

- Gol 1907. Eduardo Gomes, Brasília.

- Ué. Que Gol 1907 é esse? Rapaz, não tem nenhum Gol.

- Tem de ter, mané.

- Ué, já faz mais de meia-hora. Tem radar, mas não tá. Não dá pra ver não. Sumiu do radar.

A essa altura, o avião já havia caído em Mato Grosso.

COLABOROU Chico de Gois