Título: Queda-de-braço na educação
Autor: D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 19/02/2007, Economia, p. 12

Empresas vencem INSS na Justiça e ficam isentas de contribuir sobre auxílio para estudo

Ronaldo D"Ercole

AJustiça é palco de uma disputa silenciosa que se arrasta há anos e interessa muito a milhares de trabalhadores brasileiros. No centro da contenda está o auxílio-educação, benefício que um número crescente de empresas passou a conceder aos empregados, como forma de estimular o aperfeiçoamento profissional, ou simplesmente para compensar as deficiências do sistema educacional do país. Em oposição a essas empresas está o Instituto nacional de Seguridade Social (INSS), que insiste em ver tal benefício como remuneração salarial - passível, portanto, da cobrança de contribuição previdenciária. O INSS, porém, começa a sofrer revezes nas instâncias superiores dos tribunais. Depois de anos contestando autuações do órgão previdenciário, grandes empresas conseguiram recentemente sentenças favoráveis à isenção do benefício no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Autuada pelo INSS em meados dos anos 90, por pagar faculdade e cursos de inglês a seus funcionários, a paranaense Companhia de Cimento Portland Rio Branco, hoje uma subsidiária da Cimento Votorantim, travou uma longa batalha judicial até que conseguiu do STJ um veredicto categórico.

"Embora tenha valor econômico, o auxílio-educação constitui investimento na qualificação dos empregados e não pode ser considerado salário in natura", relatou o ministro Luiz Fux, em sentença da 1ª Turma do STJ, de outubro de 2005.

- É uma boa notícia para as empresas que investem na educação de funcionários e estão sendo indevidamente autuadas - diz o tributarista Gilberto do Amaral, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). - O INSS acha que tudo é salário, e essa é uma tendência recente, que se acentuou desde 2003.

Problema afeta quase mil empresas

Apesar de o caso da Cimento Rio Branco ter mais de um ano de julgado, a Procuradoria Geral Federal, órgão da Advocacia Geral da União (AGU) incumbido de defender o INSS em ações na Justiça, informa que "estuda um meio de reverter a decisão".

- Essa afirmação não tem fundamento algum, esse processo já transitou em julgado e não cabe recurso - afirma Marcelo Pereira Gômara, sócio da área trabalhista do escritório TozziniFreire Advogados, de São Paulo.

Pelo menos uma outra empresa, uma ex-estatal de telefonia paranaense, já conseguiu sentença idêntica no STJ, o que, na avaliação dos tributaristas, constitui referência bastante positiva para que se estabeleça jurisprudência sobre essa questão.

Mas, com base na Lei 8.212, de 1991, conhecida como Lei de Custeio da Previdência, que no seu artigo 28 define condições em que esse e outros benefícios são tributáveis, ou não, o INSS continua autuando as empresas.

Levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que, atualmente, 953 empresas respondem a processo administrativo no INSS por pagar auxílio-educação a seus empregados. Ou seja, são casos que ainda sequer chegaram à Justiça. Os valores das contribuições devidas por essas empresas, nas contas do INSS, somam cerca de R$352 milhões.

- A ação (da Cimento Rio Branco) trata de uma análise específica de um caso concreto em que a decisão se baseou na análise de um caso concreto dos fatos. Não se trata de declaração de ilegalidade - argumentou a coordenadora de Normatização da Secretaria da Receita Previdenciária, Rosimery Brandão Barbosa, em defesa das autuações do INSS.

De acordo com o tributarista Ives Gandra Martins, não há como o INSS recorrer:

- O INSS não tem base legal nem para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que para questões de legalidade a última instância é o STJ.

Segundo ele, o que o INSS tenta fazer, ao insistir na tributação de benefícios como o auxílio-educação, é conhecido entre os teóricos do direito como "ilegalidade eficaz".

- O INSS cobra, e, se o contribuinte não recorre, vira imposto, um tributo indevido - explica.

É unânime entre os tributaristas ouvidos pelo GLOBO a convicção de que, em sua sanha arrecadatória, ao investir contra benefícios como o auxílio-educação, o INSS acaba inibindo as empresas de oferecer aos trabalhadores um benefício que o Estado, que teria a atribuição legal, não é capaz de suprir.

- O INSS não está interessado no ganho social do benefício, só quer arrecadar mais - diz o tributarista Valdir Braga, do escritório Braga & Marafon Consultores e Advogados.