Título: Pilotos do Legacy não vão depor à Aeronáutica
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 20/02/2007, O País, p. 5

Joseph Lepore e Jan Paladino recusam-se a falar sobre acidente com Boeing da Gol e conclusão da investigação pode atrasar

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. Os Pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paladino estão se recusando a depor à Comissão de Investigação da Aeronáutica sobre o choque entre o Legacy da ExcelAire e o Boeing 737-800 da Gol, em setembro do ano passado, no norte de Mato Grosso. Os controladores de vôo que trabalharam no dia do acidente também não querem dar esclarecimentos adicionais às explicações já prestadas em depoimento à Polícia Federal. Diante das dificuldades, a Aeronáutica já admite a possibilidade de não concluir as investigações até setembro, como previsto inicialmente.

- Setembro é o prazo inicial, mas não era um compromisso. As investigações dependem das perícias e de casos como esses dos Pilotos, que não quiseram falar - disse ontem um oficial da Aeronáutica ao GLOBO.

No início do mês passado, o presidente da comissão, coronel Rufino Ferreira, viajou para os Estados Unidos, na expectativa de interrogar os Pilotos. Ferreira queria confrontá-los com os diálogos extraídos da caixa-preta do Legacy. Nas conversas, os Pilotos se mostram irritados com o painel do novo avião, confusos com algumas normas internacionais de vôo e, num dado momento, até fazem involuntariamente a confissão mais grave: o TCASS (equipamento anticolisão) estava desligado. Mas Lepore e Paladino não quiseram prestar depoimento ao coronel Ferreira.

- Eles alegaram que tudo o que dissessem poderia se voltar contra eles - disse um interlocutor do coronel.

Mas a Aeronáutica não desistiu do interrogatório. A Comissão de Investigação quer obter as respostas dos Pilotos para perguntas importantes por meio de um sumário de informações encaminhado ao National Transportation Safety Board. Segundo um oficial da Aeronáutica, caberá à instituição americana obter as declarações dos Pilotos e repassar as informações à Comissão de Investigação. O interrogatório dos Pilotos é considerado relevante porque até o momento eles não foram ouvidos nem mesmo pela PF.

No fim do ano passado, os dois foram interrogados pela PF, em São Paulo, mas não quiseram responder às perguntas do delegado Ramon Almeida. Depois os dois foram liberados e retornaram aos EUA. Diferentemente dos Pilotos, os controladores de vôo prestaram longos depoimentos à PF. A partir das contradições das versões apresentadas, a PF apontou a responsabilidade de vários deles em falhas que, corrigidas a tempo, poderiam ter evitado o choque entre o Legacy e o Boeing.

Por isso, o presidente da Associação de Familiares das Vítimas do Acidente, Jorge André, sustenta que a Aeronáutica e a PF não devem desistir de também cobrar explicações dos Pilotos. Para ele, o conteúdo das gravações da caixa-preta do Legacy comprova a responsabilidade dos Pilotos no desastre. O conteúdo foi tornado público pela "Folha de S. Paulo" no domingo, mas os familiares dos mortos tiveram acesso ao material há algumas semanas.

"Isso reforça o que falamos: os Pilotos foram responsáveis"

Com base em parte das gravações, a PF indiciou os dois Pilotos ano passado por expor o Legacy e o Boeing a perigo, crime que prevê, no máximo, quatro anos de prisão.

- Nós já sabíamos dessas conversas. Isso só reforça o que temos falado: os Pilotos foram responsáveis pelo acidente - disse André.

Neuza Machado, viúva de um dos mortos no acidente, disse que a divulgação do conteúdo das gravações é importante porque mostraria os equívocos do Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao autorizar a volta dos Pilotos aos EUA.

- Qual foi o erro principal? O transponder desligado. A Justiça brasileira não podia ter deixado os Pilotos irem embora - disse Neuza.