Título: Harmonia federativa
Autor: Silva, Francisco de Almeida e
Fonte: O Globo, 20/02/2007, Opinião, p. 7

Oprefeito constrói um PACzinho na sua cidade e aí... um PACzinho aqui, um PACzinho ali... a gente vai resolver o problema de infra-estrutura" (presidente Lula, no GLOBO, edição de 04/02/2007).

A frase acima foi bastante feliz ao destacar a importância dos municípios no esforço para acelerar o crescimento da economia brasileira. De fato, em um país com dimensões continentais como o nosso, a maneira mais eficiente de suprir as carências na área de infra-estrutura e, em particular, no que respeita à chamada infra-estrutura social, é através da atuação municipal. Isto porque a maior proximidade dos prefeitos com seus cidadãos permite conhecer melhor as necessidades e preferências locais. Também o conhecimento das especificidades da economia de sua cidade permite ao prefeito executar obras a custos mais baixos e com menos desperdício de recursos.

A questão que se coloca é: quais são as condições para que os municípios possam, de fato, implementar seus PACzinhos? A primeira é o reconhecimento de que o potencial de investimento municipal não pode ser limitado pela capacidade de gerar receitas próprias. Ao contrário do que tem sido recorrentemente veiculado nos meios de comunicação, os municípios têm realizado enorme esforço para mobilizar recursos próprios. A prova disso é que a arrecadação de tributos locais, que em 1988 era da ordem de 0,6% do PIB, atualmente atinge aproximadamente 2%.

Diante do compromisso com a austeridade fiscal e das dificuldades de obter apoio financeiro dos níveis superiores de governo, o esforço fiscal dos municípios tem sido fundamental para que a esfera local exerça um papel cada vez mais importante no atendimento das demandas da sociedade, inclusive em áreas que, constitucionalmente, não são de sua alçada como é o caso da segurança pública.

No entanto, por maior que seja a criatividade e a eficiência administrativa das prefeituras para cobrar diretamente impostos e taxas, o tamanho da base tributária local impõe limites à atuação municipal. Se somarmos a isto as restrições à contratação de empréstimos que sucederam a Lei de Responsabilidade Fiscal, iremos constatar sem grande dificuldade que rever o atual sistema de partilha de recursos entre os membros da Federação é um pré-requisito para que os municípios tenham condições de contribuir com o processo de desenvolvimento nacional.

Sem dúvida, a reforma tributária de 1988 teve o mérito de ampliar os percentuais de receita do IR e do IPI destinados aos fundos de participação estadual e municipal. O problema é que, desde então, o governo federal vem privilegiando a arrecadação de contribuições sociais - muito semelhantes aos impostos indiretos de ampla incidência -, cuja receita não é repartida com os governos subnacionais. Em 1988, a receita do PIS-Pasep e Finsocial (atual Cofins) representava cerca de 20% do que era coletado a título de IR e IPI. Modificações na legislação dessas contribuições e a introdução da CSLL e da CPMF fizeram este percentual crescer progressivamente. A partir de 2000, a arrecadação das quatro contribuições passou a superar os recolhimentos dos mencionados impostos.

No debate atual acerca das conseqüências do PAC sobre estados e municípios, muito tem se falado das possíveis perdas de recursos decorrentes das desonerações tributárias que atingem o IR e o IPI. Daí o pleito dos governadores para que uma parcela da CPMF venha a ser distribuída entre as esferas subnacionais. O temor pelas perdas e a demanda por compensação são questões da maior relevância. No entanto, é preciso ampliar as discussões.

Em comparação com os governos subnacionais, a União dispõe de maior flexibilidade para mobilizar recursos necessários à realização dos investimentos públicos. Por exemplo, a esfera federal possui competência exclusiva para cobrar contribuições sociais e, através da DRU, converter 20% da receita dessas contribuições em recursos ordinários do Tesouro. Além disso, não sofre as mesmas restrições em relação à contratação de empréstimos.

Por essas e outras vantagens, a União deveria adotar uma postura também mais flexível no que diz respeito à repartição federativa de recursos. Rever o atual sistema de partilha de modo a dotar os estados e, sobretudo, os municípios de maior capacidade financeira é condição sine qua non para que essas esferas de governo possam, efetivamente, colaborar com o processo de aceleração do crescimento econômico.

Ao invés de compensação, a palavra de ordem deveria ser cooperação. Não se trata de conceder uma parcela da receita desta ou daquela contribuição apenas com o intuito de compensar eventuais perdas. O que está em jogo é a Harmonia federativa da qual depende o êxito dos PACzinhos.

FRANCISCO DE ALMEIDA E SILVA é secretário da Fazenda da Prefeitura do Rio de Janeiro e presidente da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais.

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