Título: Cresce a contaminação por hepatite B
Autor: Paraná, Raymundo
Fonte: O Globo, 20/02/2007, Opinião, p. 7

OMinistério da Saúde distribuiu 35 milhões de preservativos neste carnaval, cerca de 10 milhões a mais do que em 2006. A iniciativa, que visa a proteger os foliões mais entusiasmados das doenças sexualmente transmissíveis, vem se repetindo há anos e é fundamental, pois doenças como Aids e hepatite B são ameaças em festas desta natureza. É preciso lembrar que estas doenças merecem campanhas de alerta, prevenção e tratamento durante todo o ano.

Atualmente, no Brasil, 600 mil pessoas convivem com o vírus HIV. O fato de o governo brasileiro ter desenvolvido um programa de tratamento, que é modelo para o resto do mundo e que conta com as drogas mais modernas para o controle da doença, deu às pessoas uma falsa impressão de cura e muitos "relaxaram" quanto à prevenção deste mal. Daí a necessidade de conscientizar e estimular a prevenção mesmo fora do período de festividades e carnaval.

Também não se pode esquecer daqueles que já contraíram o HIV, que merecem total atenção e estímulo para que mantenham a adesão ao tratamento, fator considerado pelos especialistas como decisivo para o sucesso do tratamento da doença. Afinal, diferentemente do que ocorreu no passado, quando a opção para os pacientes era o AZT e eles sofriam com a grande quantidade de vezes que precisavam ingerir o medicamento e com os seus fortes efeitos colaterais, hoje os portadores contam com drogas mais modernas, com um número menor de tomadas diárias e efeitos colaterais muito reduzidos.

Apesar disso, nem todos seguem corretamente o tratamento. Os médicos têm trabalhado arduamente para incentivar seus pacientes a manterem a disciplina no tratamento e então obterem melhores resultados. Aderindo adequadamente ao tratamento recomendado pelo especialista, o paciente pode levar uma vida normal. Mas adesão, nesse caso, significa seguir o tratamento à risca e ingerir os medicamentos da forma e nos horários estipulados em pelo menos 95% das vezes.

No caso da hepatite B, pode-se dizer que a situação é ainda pior. A doença pode ser grave e mais silenciosa do que a Aids - possui as mesmas formas de transmissão e não tem cura, depois que se torna crônica. Cerca de 2 milhões de brasileiros são portadores da doença hoje, em sua forma crônica, embora muitos não saibam disso. E, diferentemente do que acontece com o ultramoderno e eficaz coquetel anti-retroviral distribuído pelo Programa Nacional de DST/Aids, no caso da hepatite B, os pacientes ainda não têm acesso aos tratamentos mais modernos.

As relações sexuais predominam na transmissão da hepatite B: cerca de 70% dos casos. As demais formas de contágio são a vertical (de mãe para filho, no momento do parto) e pelo contato sangue com sangue (especialmente pelo compartilhamento de objetos perfuro-cortantes, como alicates de cutícula, aparelhos de barbear, agulhas etc.).

O problema é que a doença, que pode ser prevenida com a vacinação disponível na rede pública de saúde, é silenciosa, raramente apresenta sintomas, e, muitas vezes, quando o paciente a descobre, seu fígado já está comprometido e pode ter desenvolvido uma cirrose ou câncer, além da necessidade de transplante do órgão - que culmina em um outro problema.

Mesmo com a mudança de critério da fila de transplante de fígado - de cronológico para gravidade - cerca de 7,5 mil pessoas aguardam pelo órgão no país. Em São Paulo, o número de pacientes que aguardam por essa cirurgia chega a 4,2 mil, sendo que entre 50% e 60% morrem na fila. No resto do país, a taxa de mortalidade é de 30%.

A luta dos médicos especialistas e a dos pacientes acometidos por hepatite B hoje é tentar impedir que a doença evolua para quadros mais graves, o que pode ser possível com o acesso às drogas modernas, a exemplo do que ocorre na área de HIV/Aids. São medicamentos que conseguem controlar melhor a doença, pois diminuem a carga viral e, conseqüentemente, controlam a multiplicação do vírus no organismo. Também apresentam baixos efeitos colaterais e não geram resistência, o que é uma novidade no segmento.

Unidos aos pacientes, profissionais de saúde vêm se reunindo em todo o Brasil na tentativa de atualizar o protocolo federal que oficializa a presença de medicamentos mais modernos para tratamento das hepatites virais no SUS. Os consensos científicos da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Hepatologia já prevêem o uso de medicamentos inovadores.

Mas, até que o problema se resolva, e mesmo depois, não há caminho melhor que não o da prevenção. Que deve ocorrer 24 horas por dia, 7 dias por semana, por todo o ano.

RAYMUNDO PARANÁ é professor da Universidade Federal da Bahia e coordenador do Grupo de Estudos de Hepatites Virais Brasil-França.