Título: Chinatown à vista
Autor: Scofield Jr., Gilberto e Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 20/02/2007, Economia, p. 13

Nova siderúrgica no Rio acerta "importação" de 600 chineses, mas ministério pode vetar

Gilberto Scofield Jr.* e Henrique Gomes Batista

Às vésperas da data marcada para chegar ao Brasil a primeira turma de chineses que vão construir a fábrica da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), no distrito de Santa Cruz, no Rio, a questão gera polêmica dentro do governo. Os representantes da siderúrgica alemã ThyssenKrupp e da estatal China International Trust & Investment Corporation (Citic) chegaram a um acordo com o Brasil, segundo informações confirmadas pela embaixada do Brasil em Pequim, sobre a quantidade de empregados chineses que será contratada: em vez de três mil, serão "importados" 600, a maioria engenheiros, dizem as empresas. No entanto, os planos podem ser barrados pelo Ministério do Trabalho brasileiro.

O coordenador-geral de Imigração do ministério, Paulo Sérgio de Almeida, afirma que houve uma sondagem ao governo federal, não uma negociação prévia, como a ThyssenKrupp anunciou na China. Para o ministério, a atuação de profissionais de outros países no Brasil somente é autorizada quando não há trabalhadores nativos qualificados para a atividade em questão.

- Não existe essa história de importar mão-de-obra com o equipamento - afirmou Almeida.

As empresas anunciaram que a imigração começa esta semana, logo após o feriado do Ano Novo chinês, com uma primeira contratação, de 170 pessoas. A CSA, que produzirá coque (uma das matérias-primas para a produção de aço), é 90% da ThyssenKrupp e 10% da Companhia Vale do Rio Doce. O motivo alegado para a contratação da mão-de-obra chinesa - uma pequena parte dos empregados que trabalharão na construção da usina, que vai variar de dez mil a 18 mil pessoas - é a necessidade de ter pessoal especializado na montagem.

Segundo a embaixada, que se prepara para emitir os vistos, a coqueria, a ser erguida pelo grupo estatal chinês Citic, vai usar tecnologia nova e chinesa, mais econômica. Por isso, não haveria no Brasil engenheiros com conhecimentos da tecnologia e de língua chinesa suficientes para a empreitada de montar a linha de produção e de operação imediata de máquinas e equipamentos. A Citic também alega que a tecnologia a ser empregada é nova, desenvolvida na China e, por isso, precisa trazer engenheiros de lá. O coordenador do ministério, por sua vez, avisa que cada caso terá que ser analisado individualmente

- Podemos dizer que eles virão se a legislação permitir. Não haverá autorizações fora da lei.

Chineses devem ficar até 2009

Segundo as empresas, a partir de abril, a concessão de vistos será acelerada, e o número de chineses trabalhando na usina já deverá atingir 600 em setembro deste ano. Esse número de funcionários chineses deve ser mantido até 2009 e cair a partir dali. Quando a usina entrar em operação, o que está previsto para maio de 2009, cerca de 200 chineses ainda estarão trabalhando no Rio.

A embaixada diz que o número de trabalhadores não poderá ultrapassar as 600 pessoas. Se a Citic quiser enviar 40 pessoas para o Brasil além do teto, por exemplo, terá que mandar 40 pessoas de volta para a China. Curiosamente, como costuma acontecer com os trabalhadores chineses migrantes que viajam do interior da China para as grandes cidades da Costa Leste, para trabalhar na construção civil, não será permitido levar as famílias.

Mas a ThyssenKrupp garante que os trabalhadores serão regidos pela legislação brasileira, o que vai dar a eles benefícios que não costumam receber na China, especialmente no informalíssimo setor de construção civil, como décimo terceiro salário, férias de 30 dias, folgas semanais e horas extras pagas em dobro.

"Os profissionais chineses vão representar menos de 3,5% da mão-de-obra total utilizada durante a fase de instalação de todo o complexo siderúrgico. Eles serão pagos e pagarão impostos de acordo com a lei brasileira. Entre os 13 principais contratos já assinados e os mais de 60 que ainda virão para a instalação de todo o complexo, há o que foi negociado com a Citic. A empresa apresentou a melhor solução técnica e as melhores condições e preço para a coqueria. Os profissionais chineses especializados trabalharão com brasileiros, que também participarão da construção da coqueria, em uma proporção de dois para um", disse a ThyssenKrupp em nota enviada ao GLOBO.

Quanto à moradia dos funcionários da estatal chinesa que estão vindo da China, a CSA afirma que "a própria Citic será a responsável pela construção dos alojamentos temporários onde ficarão os funcionários que virão da China. Os alojamentos serão construídos dentro dos padrões da legislação brasileira".

Almeida lembrou que a análise do Ministério do Trabalho é muito rigorosa e leva em conta, além da confirmação de falta de pessoal qualificado no Brasil, a criação de cursos de capacitação para profissionais brasileiros na nova tecnologia e o nível de formação do estrangeiro que pretende trabalhar no país. Como há engenheiros chineses que não chegaram a cursar uma faculdade, isso pode ser um impeditivo para entrada deles no pais, já que a formação tem que ser similar à brasileira, com, no mínimo, nove anos de escolaridade.

O coordenador do ministério lembrou também que esses pedidos de vistos, se vierem de uma única vez, poderão criar uma sobrecarga de trabalho, e, assim, fazer com que a análise dessas solicitações demore mais que os 20 ou 30 dias habituais, já que é sempre individual.

- No ano passado, autorizamos 2.593 profissionais estrangeiros por capacitação técnica inexistente no Brasil. Se for confirmado esse número de 600 chineses, isso equivale a quase um quarto de tudo que analisamos no ano passado.

Investimentos de R$8 bi na usina

Almeida lembrou ainda que esse visto de entrada permite que o trabalhador permaneça no Brasil de 90 dias a um ano e que, nesse período, toda a legislação trabalhista brasileira, reunida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), precisa ser respeitada.

Assim como o Brasil, o governo chinês controla a entrada de trabalhadores estrangeiros no país. Mas, geralmente, não há limites de entrada se a empresa se dispuser, a médio ou longo prazo, a transferir tecnologia para o país. Ainda assim, poucas empresas levam seus próprios trabalhadores, já que a mão-de-obra chinesa é muito mais barata que a estrangeira.

Para a construção da siderúrgica, a ThyssenKrupp vai investir aproximadamente 3 bilhões (cerca de R$8 bilhões), considerado o maior investimento em um único empreendimento na História do Rio de Janeiro. A produção prevista, de cinco milhões de toneladas de placas de aço por ano, será quase que totalmente voltada para a exportação - 50% para os Estados Unidos e 40% para a União Européia, mercados que absorvem aço de melhor qualidade.

Quando entrar em operação, a usina da CSA terá 3.500 empregados e pagará cerca de R$90 milhões em salários por ano. As vendas anuais, calculadas em US$1 bilhão, vão aumentar em 40% as exportações brasileiras de aço.

(*) Correspondente