Título: Blair retira tropas do Iraque
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Fonte: O Globo, 22/02/2007, O Mundo, p. 25

Na contramão dos EUA, Reino Unido anuncia retorno de um quarto de soldados

LONDRES

Num desmedido contraste à decisão já anunciada pelo presidente americano, George W. Bush, de enviar 21.500 soldados extras ao Iraque, o principal aliado dos EUA na guerra, o Reino Unido, afirmou ontem que vai retirar, até agosto, pelo menos 1.600 soldados estacionados no país. Este número corresponde a quase um quarto dos atuais 7.100 militares britânicos no Iraque. O Reino Unido chegou a ter 40 mil soldados no país, na época da invasão, março de 2003. O anúncio da retirada das tropas foi feito ontem pelo premier Tony Blair ao Parlamento britânico. A Lituânia e a Dinamarca - com 53 e 460 soldados, respectivamente, que dão apoio às tropas britânicas - também anunciaram que cessarão suas atividades militares no Iraque.

Com a retirada de soldados dos três países, o número de tropas não-americanas da chamada coalizão será bruscamente reduzido. Diversos países como Espanha, Itália, Japão, Holanda e Coréia do Sul ou já retiraram completamente ou uma boa parte de seus soldados do Iraque. Dos grandes aliados americanos, apenas Polônia e Austrália mantêm números significativos de soldados no país.

Blair justificou sua decisão com o fato de que, na semana que vem, os britânicos entregarão Basra - a segunda maior cidade do Iraque, centro da produção de petróleo e base das operações militares britânicas no país - ao comando do Exército iraquiano. Isso já foi feito pelo Reino Unido em três outras províncias do sul (Najaf, Muthanna e Dhi Qar), nos últimos cinco meses, numa operação classificada como bem-sucedida pelo premier, que admitiu que o número de soldados no Iraque possa ser reduzido mais até agosto, chegando a 2.100, o que deixaria 5.000 soldados britânicos no Iraque.

- Os 5.500 soldados que restarão a princípio permanecerão durante o ano de 2008 para oferecer apoio e treinamento às forças iraquianas. Vamos continuar até quando formos necessários e até quando tivermos trabalho a fazer - afirmou o premier, cuja decisão de apoiar os EUA na invasão do Iraque foi extremamente danosa para o seu governo, já que a maioria dos britânicos foi contrária à guerra.

Cheney: "coisas vão bem" em regiões

A Casa Branca apressou-se em classificar a retirada das tropas britânicas como um sinal de progresso, e não de derrota. Durante uma visita ao Japão, o vice-presidente americano, Dick Cheney, disse que os soldados britânicos conseguiram melhorar a segurança no sul do Iraque, onde ficaram estacionados desde a queda do governo de Saddam Hussein. Segundo Dick Cheney, a saída das tropas britânicas foi discutida entre os dois governos aliados e mostra que "as coisas estão indo relativamente bem em algumas regiões do Iraque". Mas, em sua audiência no Parlamento, Blair foi mais cauteloso:

- Os problemas em Basra e nas outras regiões continuam terríveis. O que isso significa (a saída das tropas) não é que Basra está como gostaríamos, mas sim que a história da cidade precisa ser a partir de agora escrita pelos iraquianos - disse.

Blair frisou, no entanto, que controlar a violência naquela parte do país é diferente de dominar a capital Bagdá, onde há insurgência sunita e uma base da rede terrorista al-Qaeda. O premier afirmou haver "uma orgia de terrorismo" na capital iraquiana, com episódios diários de extrema violência. Ontem, por exemplo, o Exército americano informou que um helicóptero americano Black Hawk, que havia batido ao norte da capital, foi derrubado. Apesar de os nove soldados a bordo da aeronave terem sido resgatados a tempo, o acidente indica que a insurgência possa estar se sofisticando e adquirindo equipamentos mais pesados. Trata-se do sétimo helicóptero americano derrubado em um mês no Iraque. Quase 30 soldados já morreram neste tipo de ataque.

Democratas buscam respaldo em decisão

Em Washington, o Pentágono declarou que americanos não serão enviados ao sul do Iraque para substituir as tropas britânicas. Já os democratas rapidamente usaram o anúncio de Blair como respaldo à sua posição que uma solução política é mais necessária do que os planos de Bush de enviar mais soldados ao Iraque. Em quase quatro anos de guerra, 3.148 soldados americanos morreram no país. Na semana passada, a Câmara dos Representantes americana, de maioria democrata, aprovou uma resolução simbólica contrária à idéia de Bush de aumentar o número de tropas.

- O anúncio britânico confirma as mesmas dúvidas que existem nas mentes do povo americano - disse a presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

Reagindo à posição democrata, Cheney frisou que uma retirada das tropas americanas seria "errada e não serviria de nada a não ser encorajar os terroristas". Com os soldados extras, os EUA se preparam para, nas próximas semanas, iniciar uma mega-operação de controle da insurgência em Bagdá e arredores.

Segundo analistas britânicos, a decisão de Tony Blair de retirar os soldados pode ter sido politicamente motivada. A popularidade do premier britânico, no poder desde 1997, despencou em 2003 quando se aliou aos EUA. Antes do Iraque, Blair era lembrado como o premier que havia reduzido o desemprego e reaquecido a economia britânica. retirar tropas do Iraque está sendo visto como uma tentativa de o premier recuperar prestígio, num momento em que se prepara para deixar o cargo, no ano que vem. Mas a estratégia pode não funcionar, caso a violência relativamente sob controle volte a acometer o sul do Iraque, onde a militância xiita tem poder e influência. Apesar de muitos habitantes de Basra terem comemorado a saída dos "invasores", a maioria relatava ontem temer mais violência.

- A saída dos soldados pode transformar isso aqui numa terra sem-lei - disse Jaafar Saleem, um comerciante de 38 anos.