Título: As palavras doem e ferem, sinto-me impotente
Autor: Saboya, Patrícia
Fonte: O Globo, 23/02/2007, Opinião, p. 7

A morte trágica do menino João Hélio, de apenAs seis anos, chocou, indignou, emocionou e mobilizou todo o BrAsil em torno de uma questão urgente: o combate firme e ágil à violência urbana. Como mãe, cidadã brAsileira e senadora, pAssei os últimos diAs refletindo sobre o rumo que nosso país está tomando e sobre o nosso verdadeiro papel como homens e mulheres públicos.

Como senadora, diante de um ato bárbaro como esse, que roubou a vida, os sonhos e os planos de uma criança tão pequena e de toda a sua família, sinto-me impotente - por que não reconhecer isso? Sinto-me impotente diante de tamanha violência, perversidade e insensibilidade. As palavrAs doem e ferem. MAs precisamos sentir isso para realizar a dor da família Vieites. Eles têm a dor do BrAsil real, do BrAsil que espera de todos nós soluções, e não apenAs belAs e indignadAs palavrAs.

Como mulher, estou profundamente abalada. Fecho os olhos, em muitos momentos, e me desespero como se estivesse a ouvir os gritos doídos daquela criança presa ao cinto de segurança do carro. Poderia ser meu filho. Poderia ser o filho, o neto de qualquer um de nós. Sei que não sou a única a sentir a angústia de escutar um grito que não existe de fato, mAs que grita fundo na alma.

A nossa sociedade está doente e estamos diante de uma encruzilhada: avançamos nesses anos todos? Fizemos uma Constituição considerada inovadora. Elaboramos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tido como uma dAs legislações mais avançadAs do mundo no que diz respeito à proteção da infância e da adolescência. MAs, infelizmente, isso não tem sido suficiente para enfrentarmos As nossAs mazelAs sociais. Afinal, que país é este?

Percebemos que estamos falhando. E falhamos em váriAs frentes. Por um lado, os governantes precisam disponibilizar mais recursos para a segurança pública. Treinar melhor os policiais e aumentar o policiamento nAs ruAs. O Judiciário tem que ser mais ágil. O Legislativo tem que aprimorar o sistema penal, discutindo com responsabilidade os vários projetos de lei que prevêem punições mais durAs para os crimes bárbaros. Por outro lado, é urgente a tarefa de melhorar As nossAs políticAs sociais. O Estado brAsileiro tem sido omisso. A maior parte da população, infelizmente, não conta com educação, saúde, moradia, saneamento básico, esporte, cultura e lazer de qualidade.

O que vemos hoje é um país partido: dividido entre As criançAs que têm acesso a tudo e As criançAs pobres, cujos direitos básicos começam a ser negados quando ainda estão na barriga de suAs mães. Não conseguem freqüentar boAs escolAs, estão mais vulneráveis a situações de violência e abandono dentro e fora de cAsa, vivem, muitAs vezes, em famíliAs desestruturadAs há gerações. Diante desse quadro, a vida fácil, na criminalidade, acaba sendo uma opção. Para algumAs delAs, a única opção.

Por estarmos vivendo uma situação complexa é que não acredito que a redução da maioridade penal seja uma solução para a violência no nosso país. Hoje, discutimos a diminuição para 16 anos. Daqui a pouco, estaremos debatendo a redução para 14, 12, 10, oito anos! Onde vamos parar? Sabemos que os criminosos do tráfico de drogAs, por exemplo, já utilizam criançAs menores de 10 anos em suAs empreitadAs. Como combater isso?

Certamente, não é reduzindo a idade penal, e, sim, endurecendo As penAs para os adultos que usam criançAs no crime, como já prevê um projeto em tramitação no Senado Federal. Paralelamente, estamos abertos a discutir e a melhorar o ECA, apesar de ser importante ter em mente que o Estatuto existe há quAse 17 anos, mAs não foi colocado em prática por nossAs autoridades. Precisamos, de uma vez por todAs, fazer com que As unidades de internação de adolescentes infratores sejam capazes de recuperá-los, e não apenAs depósitos de jovens que mais parecem uma pós-graduação na criminalidade.

É tempo de agir. É tempo de transformar o luto em ações vigorosAs de retomada do nosso verdadeiro desenvolvimento, que só vamos alcançar quando formos capazes de respeitar, cuidar, acolher, amar - enfim, priorizar todAs As criançAs do BrAsil.

PATRÍCIA SABOYA é senadora (PSB-CE) e coordena no Senado Federal a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.