Título: Estudos eleitorais
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 24/02/2007, O Globo, p. 2

Temos o costume de tomar as vitórias eleitorais como auto-explicativas, negligenciando a análise posterior dos fatos determinantes, sempre útil à compreensão do curso histórico. Do ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso recebo o resumo dos debates ocorridos entre 25 e 29 de janeiro no Fórum Especial - uma edição, pela internet, de seu já tradicional Fórum Nacional, buscando responder à pergunta simples porém relevante: "Por que Lula ganhou?"

Tento resumir os textos-guia do debate, um de Marcos Coimbra (Vox Populi) e outro de Jairo Nicolau e Vitor Peixoto (Iuperj). A pergunta serve a qualquer pleito mas paira muito sobre a reeleição de Lula por conta de tantas singularidades. De candidato imbatível ele foi ao fundo do poço com a crise de 2005. Governo despedaçado, reuniu os cacos, ditou as políticas, emergiu no início de 2006 e tornou-se favorito. Não ganhou no primeiro turno mas colheu vitória expressiva no segundo. Ele mesmo, ainda no primeiro turno, no encontro com intelectuais paulistas, perguntava: "Como pudemos chegar até aqui?". A pergunta de Velloso, no fundo, é: "Por que Lula ganhou, apesar de tudo?".

Os dois textos expressam olhares distintos sobre o processo, convergentes em alguns pontos. Coimbra vale-se das muitas pesquisas realizadas pelo seu e por outros institutos para sustentar que foram quatro as razões da vitória de Lula. Uma, o tamanho do lulismo, uma base eleitoral que a seu ver nenhum outro presidente teve. Candidato nas cinco eleições diretas pós-ditadura, Lula teria contribuído para estruturar o eleitorado em três terços distintos: lulistas, anti-lulistas e independentes, cabendo a estes últimos o papel pendular. Estes, tendo optado por ele em 2002, dobraram a aposta em 2006. E o fizeram em nome do conforto econômico que sentiram, representado não apenas pelo Bolsa Família mas também pelo baixo preço dos alimentos e o aumento do poder aquisitivo. Pesaram, em terceiro lugar, os acertos da campanha de Lula - quanto ao tempo, ao direcionamento, ao marketing e ao comando exercido por ele mesmo - e os erros da oposição e de seu candidato, o vazio de propostas alternativas. Mais subjetivamente, teriam decidido os eleitores que, apesar dos erros, não estava ainda na hora de mandar Lula para casa. "A alternância com Lula teve um sentido mais complexo para seus eleitores, o de ser uma alternância de classes no centro do sistema", diz Coimbra.

O texto de Nicolau e Peixoto tem outro foco. Parte do detalhamento das votações de Lula em 2002 e 2006, descendo aos municípios e à estratificação dos mesmos por IDH e outros indicadores sociais. A comparação revela uma mudança importante no perfil do eleitorado de Lula, sobretudo nos municípios que têm entre 10 mil e 20 mil eleitores. Neles, Lula teve 54,3% dos votos válidos em 2002, e 64,2% em 2006. Já nos municípios com eleitorado entre 50 mil e 200 mil - eleitores politicamente mais exigentes - a votação dele minguou de 64,3% para 59,6% no segundo turno das duas eleições. Repete-se o declínio nos municípios com mais de 200 mil eleitores. Com gráficos e tabelas, eles demonstram que a votação de Lula cresceu nos municípios mais pobres, com grande concentração de beneficiários do Bolsa Família, programa que investiu 53,7% de seus recursos no Nordeste, colhendo a retribuição eleitoral. "Seu desempenho (de Lula) é melhor na medida em que pioram os indicadores sociais", diz o estudo. Estas conclusões servem aos adversários do governo que vêem no Bolsa Família um instrumento populista. Servem também a Lula, por confirmar a idéia de que, apesar dos problemas éticos, cumpriu a promessa de dar prioridade aos pobres. Importante, no estudo, é a demonstração cabal de que um programa social pode alterar significativamente a disposição do eleitorado, o que só reforça a tese de que, com reeleição, as chances do governante são sempre maiores.

Os dois textos, assim como os cientistas políticos que os comentaram - concordando basicamente com ambos, ou mais com um do que com outro, - deixaram porém de responder a um enigma da eleição passada: por que Geraldo Alckmin perdeu quase 2,5 milhões de votos entre o primeiro e o segundo turno? Tema para novos Estudos.