Título: Não mudei de lado
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 24/02/2007, Opinião, p. 7

OGLOBO deu-me a honra de publicar ontem, em primeira página, a notícia da indicação pelo governo brasileiro do meu nome para o cargo de diretor-executivo junto ao Fundo Monetário Internacional, em Washington. O jornal saiu na frente. Só no final da manhã de ontem, o Ministério da Fazenda anunciou a indicação, por meio de uma nota à imprensa.

Como costuma ocorrer com "furos" jornalísticos, a notícia saiu um pouco truncada. Vou tentar explicar do que se trata. Devo dizer, entretanto, que estou escrevendo este artigo em meio ao pequeno tumulto provocado pela divulgação da notícia. Peço que o leitor me desculpe, se ele sair mais desestruturado do que de costume.

Primeiro esclarecimento: o diretor-executivo representa Não só o Brasil, mas também oito outros países (Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). O Brasil, como país de maior peso no grupo, indica o diretor. A Colômbia indica o vice-diretor.

A diretoria executiva do FMI é composta por 24 diretores e presidida pelo diretor-gerente. São poucos os países representados individualmente na diretoria. É o caso dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha, por exemplo.

O cargo para o qual fui indicado Não é, portanto, uma nomeação do Brasil. O diretor é eleito pelos países do grupo. O atual diretor-executivo, Eduardo Loyo, que pediu para sair por motivos pessoais, fica até meados de abril. O ministro da Fazenda dirigiu-se há poucos dias aos demais países para pedir apoio e voto favorável à decisão do governo brasileiro de indicar o meu nome.

Sou, como se sabe, um crítico de diversos aspectos da atuação do FMI. Alguns estranharam a indicação de um crítico para a diretoria do organismo. Compreendo a reação, mas Não há motivos para grande espanto. O fundamental é que o diretor-executivo represente e defenda os interesses e pontos de vista do país ou países que representa. Não é necessário, nem recomendável, que ele seja um admirador incondicional do Fundo e das suas políticas. Toda organização se beneficia de críticas, internas ou externas. O FMI Não constitui exceção a essa regra.

É bem verdade que a maior parte dos integrantes do Fundo costuma ter uma orientação mais próxima do pensamento econômico liberal ou ortodoxo. Mas Não se deve perder de vista que, na criação do FMI, teve papel central o maior economista do século XX: John Maynard Keynes - um economista que nada tinha de ortodoxo ou convencional. Keynes foi sempre um reformista e um rebelde em matéria de teoria e política econômica. A sua obra é uma das principais fontes teóricas do desenvolvimentismo latino-americano inaugurado por Raúl Prebisch e Celso Furtado.

Isso Não quer dizer, claro, que uma pessoa como eu vá se sentir em casa no FMI. Como se sabe, Keynes era inglês. Na época da criação do Fundo, em 1944-1945, quem dava as cartas, no fundamental, era o governo dos Estados Unidos. Em parte por influência do governo americano, as sugestões de Keynes só foram acatadas de forma bastante incompleta. Desde o início, o FMI Não saiu bem ajustado às suas concepções.

Mas o papel do representante do Brasil e de um grupo de países latino-americanos Não é se sentir em casa, ou incorporar-se a uma rede tecnocrática internacional. A ele cabe primordialmente defender, de forma sistemática, os países representados, se possível em aliança com outros integrantes do FMI.

Permita-me, leitor, terminar com uma nota de caráter estritamente pessoal. Pela cabeça de muitos amigos, leitores e conhecidos, pode passar a idéia de que a aceitação desse convite sinaliza uma mudança de orientação da minha parte. Não é o caso. Para bem e para mal, Não sou uma pessoa muito inclinada a mudar de opinião - e muito menos de valores. Insisto: isso Não é necessariamente positivo. Pode ser mais defeito do que qualidade. Cada um é prisioneiro das próprias convicções.

Mas, nesse ponto, me considero um adepto de Schopenhauer, para quem a maior prova de superficialidade era acreditar que as pessoas mudam.

Deseje-me sorte, leitor. Vou precisar dela.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista. E-mail: pnbjr@attglobal.net.