Título: Ambições soltas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 25/02/2007, O Globo, p. 2

O sistema de reeleição tem, entre outros inconvenientes, o de acelerar e antecipar a disputa pela sucessão de quem não será mais candidato. Deu-se com Fernando Henrique, ensaia repetir-se com Lula. Seu segundo ministério ainda não deu as caras mas os candidatos já estão se posicionando. Se Lula facilitar, eles tomam contam do cenário e devoram o milharal.

Alguma patologia deve existir num sistema político em que os partidos da situação brigam entre si e brigam internamente - caso do PMDB e do PT - e os da oposição declaram em praça pública que precisam mudar de programa e até de nome - caso do PSDB e do PFL - para se reaproximarem da sociedade. Buscam a tal "lealdade das massas", esta expressão cunhada pelo filósofo Habermas para designar a mola central do sistema político. As massas podem ter torrado a última reserva de lealdade reelegendo Lula. Se ele frustrá-las, não produzindo crescimento, emprego, segurança e mudança social no grau esperado, sabe-se lá o que podem fazer em 2010.

Ter o mandato minado por disputas precoces é caminho certo para perder o controle da sucessão. Nisso, a oposição, em sua perdição, está mais cautelosa. Até aqui, Aécio Neves e José Serra parecem dispostos a conter seus impulsos para evitar candidaturas desagregadoras. Viram isso em 2002 e 2006. O PFL começa a investir em alternativas próprias, destacando os nomes do governador Arruda, do deputado Rodrigo Maia e do prefeito Gilberto Kassab.

Já no campo de Lula os apetites estão soltos. O PT quer Marta Suplicy no Ministério para fazê-la candidata. Ciro Gomes quer ficar fora do Ministério para ser candidato, ter mais liberdade de ação. Se for preciso, para se distanciar do governo. Lula queria os dois dentro do governo ou os dois fora do governo. Como não convenceu Ciro a voltar, teria que rejeitar a indicação de Marta, que o PT sacramenta amanhã e lhe apresenta oficialmente na terça-feira.

A vasta coalizão de Lula está, na prática, cindida em dois campos. De um lado, o PT, o chamado PMDB da Câmara e os partidos coadjuvantes: uma banda do PTB, o PP, o PR e os menores. Estes tendem a marchar com uma candidatura petista em 2010. De outro, o PSB de Ciro, o PCdoB e o PDT, associados, pelo menos no plano tático, ao condomínio peemedebista liderado pelos senadores José Sarney e Renan Calheiros. Depois da conversa com Lula na quinta-feira, os dirigentes do PSB saíram dizendo parte do que ouviram e parte do que eles mesmos disseram a Lula. Trataram, sobretudo, de estressar o PMDB da Câmara, que joga fechadíssimo com o PT, informando que Lula não fará o Ministério antes da convenção de 11 de março, o que significaria enfraquecê-los na disputa interna. Os outros já estão montados em seus ministérios. Fizeram circular ainda que Lula descartara Marta para Cidades. Tudo isso são mais que intrigas. São jogos já muito pesados para a sucessão.