Título: Preferido de Lula esbarra em vício da política
Autor: Guedes, Ciça
Fonte: O Globo, 25/02/2007, O País, p. 10

Sanitarista que presidente e governador do Rio querem na Saúde sofre forte resistência de setores do PMDB.

Legenda da foto: TEMPORÃO: médico administrou crise do Inca e da intervenção no Rio.

O português que fundou e dirige há 43 anos o restaurante Mosteiro, um dos prediletos dos políticos fluminenses, no Centro do Rio, vai comemorar de qualquer maneira o resultado da reforma ministerial de Lula. Caso seu filho, o sanitarista José Gomes Temporão, seja indicado para o Ministério da Saúde, José Temporão diz que vai ficar muito feliz "porque o Brasil ganha". Mas se "o filho", como Temporão-pai chama o candidato a ministro Preferido de Lula e do governador Sérgio Cabral, não chegar ao posto por conta das escaramuças entre as bancadas do PMDB na Câmara e no Senado, não haverá tristeza na casa portuguesa:

- Sinceramente? Como pai eu até ficaria bem satisfeito, porque ser ministro da Saúde é uma empreitada muito difícil - diz Temporão-pai.

O patriarca chegou sozinho ao Rio de Janeiro em 1946. Trabalhou por quatro anos e voltou a Portugal para rever a mulher, Sara. Voltou novamente sozinho para o Brasil e, um ano depois, a família desembarcava na Praça Mauá, exatamente em 20 de outubro de 1952, dia em que "o filho" completava 1 ano de vida. Ele conta com orgulho que, apesar das dificuldades, formou os três filhos e também três netos que criou depois que seu caçula morreu, há 15 anos. E pede para citar que Temporão só estudou em escolas públicas, entre elas o Colégio Pedro II, e se formou em 1977 na Faculdade de Medicina da UFRJ.

Primeiro cargo público foi no antigo Inamps

Naturalizado brasileiro, Temporão, de 55 anos, tornou-se, ao lado da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy, uma das razões alegadas para o atraso da reforma ministerial do segundo mandato. Desde a última mudança no Ministério, em 2005, Lula defendia a nomeação do sanitarista para o Ministério da Saúde, mas o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a bancada peemedebista resistiram. O deputado federal Saraiva Felipe (MG) assumiu e Temporão ficou com o cargo de secretário de Assistência à Saúde.

Especialista em doenças tropicais, mestre em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz e doutor em medicina social pela Uerj, o sanitarista desenvolveu sua carreira na administração pública entremeando-a com períodos de volta à vida acadêmica.

Foi secretário nacional de Planejamento do extinto Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) entre 1985 e 1988, daí voltou a dar aulas na Escola de Saúde Pública da Fiocruz, onde é professor desde 1980. Depois tornou-se subsecretário de Saúde do Estado do Rio (1991-1992) e presidiu o Instituto Vital Brazil até 1995. Fez nova interrupção para cuidar do doutorado e, em 2001, tornou-se subsecretário de Sérgio Arouca na Secretaria municipal de Saúde. Foi então chamado pelo presidente da Fiocruz, Paulo Buss, para dirigir o programa de inovação da instituição.

- Ele tem uma trajetória interessante, que se estimula na França, nos Estados Unidos, na Alemanha: fazer o profissional de saúde transitar entre a administração pública e a academia, sempre se reciclando - diz Buss, um dos integrantes do "núcleo duro" do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira", que resultou na criação do Sistema Único de Saúde (SUS), ao lado do próprio Temporão, de Arouca (já falecido) e Hésio Cordeiro, entre outros.

Mas Temporão também se especializou em crises, e foi na administração delas que chamou a atenção de Lula. Foi para a presidência do Inca em 2003, quando os diretores das cinco unidades e cem chefes de departamento entregaram os cargos em protesto contra a gestão de Jamil Haddad (PSB), que se demitiu. Enfrentou as denúncias de pressão política nas filas de transplantes do Inca, em 2004, e, no ano seguinte, ajudou a coordenar a intervenção do governo federal nos hospitais dos Rio. No ministério, encarou as crises de vampiros e sanguessugas.

- O Temporão é um quadro da saúde respeitado por todos, com experiência pública reconhecida e enorme condição de realizar um belo trabalho como ministro da Saúde - diz o governador Sérgio Cabral.

Resta saber se vencerá a queda-de-braço com o velho vício de se nomear políticos.