Título: Espanha é a principal rota do crime
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 25/02/2007, O País, p. 14

País tem 32 das 98 linhas de comércio de mulheres identificadas por ONG.

Priscila Guilayn

MADRI. As brasileiras dominam o mercado do sexo na Espanha, e a imensa maioria delas é vítima de máfias organizadas que traficam mulheres para a exploração sexual. As espanholas perderam espaço: 90% das prostitutas são estrangeiras, segundo a polícia, das quais 60% são latino-americanas, destacando-se, com 40%, as brasileiras. A Espanha é o principal país de destino das rotas de tráfico internacional que partem do Brasil, com 32 das 98 linhas identificadas, segundo pesquisa da ONG Cecria, sediada em Brasília. O segundo destino é a Holanda, com 11 rotas e, o terceiro, a Venezuela, com dez. Setenta mil brasileiras são vítimas, por ano, de tráfico internacional de mulheres, segundo dados do Fundo de Populações da ONU.

- Em 1996, as equatorianas eram maioria. Mas, em 2003, o Brasil passou a ser um dos "países-estrela" da prostituição na Espanha e, em 2006, houve um boom de brasileiras nas ruas e nos clubes - diz a advogada Rocío Mora, coordenadora da Associação para a Prevenção, Reinserção e Atenção da Mulher Prostituída (Apramp).

Por que brasileiras? As próprias prostitutas respondem no longo trabalho "Corporalidades em confronto - brasileiras na indústria do sexo na Espanha", da antropóloga Adriana Piscitelli, pesquisadora da Unicamp: por sua "sensualidade natural" e porque são "mais carinhosas e divertidas". Outras teorias afirmam que o cliente quer variedade e no Brasil há de tudo: louras, morenas, mulatas, negras, altas, baixas, com mais ou menos curvas. E há os que defendam a tese de que as brasileiras são boas de conversa e fazem os clientes consumirem muitos drinques, que nos melhores bordéis podem custar até 50 euros.

"As brasileiras são vendidas de cafetão em cafetão"

A questão é que há demanda. E, para atendê-la, a máfia começa a atuar na cidade de origem da mulher, na pele de uma amiga, prima ou vizinha que a anima a cruzar o Atlântico "para ganhar muito dinheiro". Essas mulheres têm entre 20 e 30 anos, pouca escolaridade e não vêem perspectivas de melhorar de vida com o salário que ganham (muitas não exerciam a prostituição antes e trabalhavam como cabeleireira ou vendedora). Boa parte delas é mãe solteira. Embora muitas tenham ciência de que serão prostitutas, nenhuma delas sabe as condições que as esperam.

- As brasileiras são vendidas de cafetão em cafetão, rodam de bordel em bordel por toda a Espanha, perdendo noção geográfica e de tempo. Clientes e donos dos clubes incitam o uso de drogas. Quando elas decidem denunciar, exigimos que, para morar em nossas casas de acolhida, passem por um processo de desintoxicação. Muitas delas nem sabiam que estavam viciadas - diz Rocío Mora.

Essas mulheres saem do Brasil, sem saber, com uma dívida de cerca de 4 mil euros e que não pára de aumentar. Além da passagem, há os juros, o cabeleireiro, as roupas, e ainda deverão pagar para dormir e comer, além de "multas". Uma prostituta brasileira na Espanha ganha cerca de 50 euros por programa e faz uma média de oito programas por noite, mas dificilmente vê a cor do dinheiro.

- O dinheiro vai todo para a máfia e elas não conseguem enviar uma ajuda para casa - afirma a advogada.

Uma maneira de apressar o pagamento da dívida é servindo de intermediária para captar outras mulheres.

- Muitas esperam o que nós chamamos de "cliente salvador", aquele que se apaixona e se casa com ela para tirá-la da prostituição. Não são raros estes casos - conta Cleo Rodríguez, coordenadora do Projeto Vagalume, uma ONG de apoio às mulheres que exercem a prostituição.

Não são poucas as organizações que trabalham no apoio às vítimas de tráfico e todas elas concordam em pelo menos um aspecto: sem uma cooperação bilateral nunca se encontrará a solução para o problema.

- Somente através da cooperação entre países, no caso Brasil e Espanha, é que se pode desenvolver medidas comuns e complementares que criem mecanismos para dificultar, inibir e eliminar a ação das redes criminosas. Além disso, este trabalho bilateral é fundamental para a articulação de uma rede de profissionais que possam proporcionar o atendimento qualificado às mulheres vítimas do tráfico desde a Espanha até o Brasil - afirma a advogada Verônica Maria Teresi, mestranda em Direito Internacional da Universidade Católica de Santos com o tema "A cooperação internacional para o enfrentamento do tráfico de mulheres brasileiras na Espanha".