Título: Aumenta o tráfico internacional de brasileiras
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 25/02/2007, O País, p. 14

De 2000 a 2005, a Polícia Federal abriu 372 inquéritos para investigar esse tipo de crime e prendeu 125 aliciadores

Jailton de Carvalho

BRASÍLIA. Em novembro do ano passado, uma família que vive na cidade mineira de Uberlândia levou seu drama à Polícia Federal. A filha de 23 anos, que estava na Espanha, desapareceu. Investigação aberta, a PF ainda tenta localizar pistas da jovem, mas suspeita: ela teria sido mais uma das vítimas do tráfico internacional de mulheres, um crime cada vez mais comum nas apurações da polícia brasileira. Só em 2005, a PF abriu 119 inquéritos para investigar o tráfico de brasileiras para Portugal e Espanha, entre outros países. O número é três vezes maior do que as 42 investigações sobre o assunto iniciadas em 2002.

Não existem informações seguras sobre os valores envolvidos nas transações com brasileiras. Mas pesquisadores da Organização das Nações Unidas (ONU) acreditam que as redes de prostituição podem faturar até US$30 mil com cada mulher traficada. Pelos dados da Secretaria Nacional de Justiça, só o envio de uma brasileira para a Europa não fica por menos de R$8,5 mil. Nos cálculos estão incluídos passagens, roupas e valores extras que cada mulher deve levar em mãos para não despertar suspeitas dos serviços de imigração nos aeroportos internacionais.

- Depois do narcotráfico e do contrabando de armas, o tráfico de mulheres é o negócio ilegal de maior lucratividade no mundo - afirma Marina Oliveira, gerente de Projetos da Secretaria Nacional de Justiça.

- No contexto do tráfico internacional, o Brasil é um dos grandes exportadores de mulheres para os mercados da prostituição na Europa. As apurações sobre esse comércio estão Aumentando significativamente nos últimos anos - afirmou o delegado Felipe Tavares Seixas, chefe da Divisão de Direitos Humanos da PF.

Lucrativo, negócio atrai até mafiosos italianos

De 2000 até 2005, a Polícia Federal abriu nada menos que 372 inquéritos sobre venda de brasileiras para Portugal, Espanha, Suíça e até para países com renda per capita mais baixa que o Brasil, como o Suriname, vizinho da fronteira norte. A partir de alguns desses inquéritos, a PF, em parceria com o Ministério Público, promoveu 16 grandes operações e prendeu 125 aliciadores de mulheres, entre eles estrangeiros donos de boates, proprietários de hotéis, agentes de viagens e taxistas, acusados de integrar quadrilhas de tráfico internacional de mulheres.

Negócio considerado altamente lucrativo, o tráfico de mulheres tem atraído desde simples donas de casa até perigosos representantes de algumas das máfias italianas. Num caso que já está se tornando emblemático, a juíza Gisele Maria da Silva Araújo Leite, da 2ª Vara Federal de Natal, determinou, em dezembro do ano passado, a prisão e o seqüestro dos bens de seis italianos do grupo do empresário Giuseppe Ammirabile. Dono de boates e pousadas, Ammirabile é acusado de montar uma rede de envio de brasileiras para casas de prostituição na Espanha.

Cúmplice de aliciador é condenado por assassinatos

Pelas informações da sentença da juíza, Ammirabile pertence à Sacra Corona Unita, máfia originária da província de Puglia, na Itália. O italiano foi condenado por tráfico de brasileiras e por lavagem de dinheiro. Numa demonstração do grau de perigo desta rede, a juíza informa na sentença que Paolo Quaranta, um dos cúmplices de Ammirabile, já foi até condenado a prisão perpétua no Canadá pelo assassinato de duas pessoas.

Os lucros do comércio de brasileiras mexem com a ambição até de pessoas sem antecedentes criminais. Em 2004, a Justiça Federal de Goiás condenou Maria Domingues Ribeira, de 27 anos, a sete anos de prisão por intermediar a venda de mulheres recrutadas em Goiânia para uma casa de prostituição em Portugal. Segundo o procurador da República Daniel de Resende Salgado, Maria Domingues teria sido contratada inicialmente para trabalhar numa boate, em Portugal. Dois meses depois, ela ganhou a confiança do dono, o empresário João Manuel Farias, e voltou a Goiânia para agenciar garotas interessadas em se prostituir em Portugal:

- Existem muitas quadrilhas, grandes e pequenas, envolvidas neste tipo de crime.

As investigações sobre tráfico de brasileiras começaram a aparecer nas estatísticas policiais de forma expressiva em 2000. Mas tiveram crescimento ainda mais significativo a partir de 2004. Um dos motivos seria a decisão do governo brasileiro de assinar a Convenção de Palermo contra o Crime Organizado, que tem um trecho específico sobre o tráfico de mulheres. Um ano antes da assinatura da convenção, em 2003, a Polícia Federal criou a Divisão de Direitos Humanos e, a partir daí, passou a concentrar esforços na repressão ao tráfico de pessoas.

- As investigações Aumentaram. Mas ainda não é possível saber se houve um aumento do tráfico de mulheres ou se a polícia está mais atuante - afirmou o secretário nacional de Justiça, Antenor Madruga.