Título: Segurar o valor do dólar custou um Bolsa Família
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 25/02/2007, Economia, p. 32

Esforço para manter moeda acima de R$2 exigiu R$8,3 bi em 2006. Este ano, custo pode ir a R$12,5 bi.

BRASÍLIA. A iminência de o país ultrapassar a marca simbólica de US$100 bilhões em reservas internacionais, o que deve acontecer ainda esta semana, abriu espaço para um debate sobre o acerto da estratégia do Banco Central (BC) - que, com isso, tenta Segurar a taxa de câmbio - e o impacto fiscal da manutenção do colchão de moeda estrangeira nesse patamar. Estudo do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Gonçalves, mostra que, em 2006, o custo para o Tesouro Nacional de manutenção das reservas internacionais chegou a R$8,3 bilhões, o equivalente ao orçamento do Bolsa-Família. Em 2007, dependendo da evolução dos juros e das compras de reservas pelo BC, o custo poderia chegar a R$12,5 bilhões.

o Banco Central elevou as reservas de US$53,8 bilhões para US$85,8 bilhões entre janeiro e dezembro de 2006. Em 22 de fevereiro, esse valor já estava em US$98,208 bilhões e o BC mantinha compras diárias superiores a US$500 milhões, no esforço para preservar o dólar acima de R$2.

o custo fiscal de manutenção das reservas é medido pela diferença entre o rendimento das reservas em moeda estrangeira, depositadas em forma de títulos, e o custo de captação dos recursos em reais para sua aquisição. Hoje, o rendimento está em torno de 4,5% e o custo entre 12,5% e 13%, que é a estimativa média para a Selic em 2007.

o economista José Francisco Gonçalves usou uma metodologia conservadora para calcular o custo fiscal das reservas em 2006, com base em dados do BC e do Tesouro. E, para 2007, traçou alguns cenários, nos quais as variáveis são os juros e a quantidade de dólares comprada pelo BC.

o resultado do primeiro cenário, em que os juros se manteriam nos atuais 13% ao ano e o BC continuaria com compras mensais de US$5 bilhões em reservas, é um aumento do custo de R$4,3 bilhões, o equivalente a 0,19% do PIB. o custo total chegaria a R$12,529 bilhões (0,55% do PIB) e, ainda assim, a taxa de câmbio ficaria em R$2,05 em dezembro.

No segundo cenário, mais próximo das projeções do mercado, a taxa Selic chegaria a 11,25% em dezembro e as compras de dólares pelo BC ficariam em US$2 bilhões/mês. Nesse caso, a taxa de câmbio chegaria a R$2,26 em dezembro e o custo fiscal adicional de manutenção das reservas seria de R$1,5 bilhão ou 0,07% do PIB.

No terceiro cenário, o BC deixaria de comprar dólares já a partir de fevereiro, mantendo os juros em 13%, o que provocaria o "derretimento" da taxa de câmbio, como diz Gonçalves no estudo, caindo para R$1,85, com efeito devastador para a economia, provocado pela redução na rentabilidade do setor exportador e por um poderoso estímulo às importações. o custo fiscal adicional seria de R$1,1 bilhão (0,05% do PIB).

Finalmente, o economista trabalha com um cenário de juros em padrões internacionais (9% ao ano). Nesse caso, mesmo sem a compra de dólares, o BC poderia manter o câmbio em R$2,05 com custo fiscal reduzido para R$5,5 bilhões, abaixo, portanto, do custo de 2006.

Na visão de Gonçalves, o custo fiscal de manutenção das reservas é fator importante, que precisa ser considerado nas decisões da política econômica.

- Sem dúvida, é uma despesa expressiva, que concorre com outros gastos prioritários do governo, como os investimentos e os gastos sociais, por exemplo - diz.

Entre os cenários, o que Gonçalves considera mais benéfico e menos prejudicial ao crescimento do país é o que combina Selic de 11,25% em dezembro com compras mensais de US$2 bilhões em reservas. Nesse caso, as reservas poderiam chegar a US$118 bilhões em dezembro.

A política do BC de acúmulo de reservas em um patamar acima de US$100 bilhões divide opiniões entre os economistas. o professor Antonio Correia de Lacerda, do Departamento de Economia da PUC/SP, não considera esse patamar elevado e cita o exemplo da Coréia do Sul, que mantém reservas equivalente a 30% do PIB. No Brasil, elas correspondem a 10% do PIB. o problema, para ele, está no patamar elevado dos juros.

- As reservas são um seguro contra a volatilidade. o que está errado não é o volume de reservas. o custo fiscal é elevado porque os juros são muito altos. Se a taxa de juros cair, diminuirá o custo fiscal e, ainda, os juros não pressionarão tanto a taxa de câmbio - afirma.

Já o economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acha que o problema principal está na política fiscal, que não abre espaço para queda mais acentuada nos juros e a recuperação da taxa de câmbio:

- No momento, o BC está condenado a continuar comprando reservas loucamente.