Título: Taxa de subnotificação varia de 70% a 80%
Autor: Weber, Demétrio e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 26/02/2007, O País, p. 3

Falta de confiança na polícia e temor de represálias estão entre os principais motivos alegados

Isabel Braga e Paulo Marqueiro

BRASÍLIA e RIO. Descrença na atuação da polícia ou medo de represália são algumas das principais causas que levam vítimas de crime a não registrar a ocorrência. Esse tipo de conduta, segundo especialistas, mais comum em casos de furto e roubo, aconteceria em menor freqüência em crimes de seqüestros e cárcere privado, como ocorreu com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no último dia 20.

Para o sociólogo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Cláudio Beato, que coordena o Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da universidade, nos casos de seqüestro a vítima até pode deixar de acionar o aparato policial por medo de retaliação. Mas Beato afirma que, ao agir assim, o ministro prejudica ainda mais a crença na capacidade de atuação das instituições do país.

- É ruim que o ministro tenha esse tipo de atitude, ele tem que confiar nas instituições. Se o ministro não confia, quem vai confiar? Quando a mulher dele argumenta que os seqüestradores foram gentis, que não quer fazer o reconhecimento, é uma atitude comum, mas que não ajuda a polícia. Nos Estados Unidos e na Colômbia, já há campanha para incentivar as vítimas a fazer o registro - diz o professor.

Beato diz que a subnotificação de crimes é comum, especialmente em casos de furtos ou de roubo. Segundo ele, no país a subnotificação de furtos - quando o bem é tirado sem que a vítima perceba - chega a 85%. Já a de roubos - com emprego de violência ou ameaça - varia entre 70% e 75%.

Dados sobre a subnotificação de crimes (conhecidos como cifras negras) são obtidos por meio de pesquisas com a população, as chamadas pesquisas de vitimização. Segundo Beato, não foi realizada ainda uma pesquisa de vitimização nacional com dados que mostrem a falta de notificação no país. Há apenas pesquisas isoladas que indicam uma tendência de comportamento.

Feita em agosto de 2006 pela ONG paulista Instituto Futuro Brasil, uma pesquisa desse tipo mostrou que 68% dos crimes cometidos no estado de São Paulo não são notificados. Um dos objetivos do estudo é detectar por que as pessoas optam por não comunicar os crimes à polícia. As vítimas fazem considerações sobre as vantagens de notificar ou não a polícia. No caso de agressões físicas, o que mais pesa é o medo de represália ou o fato de o criminoso ser conhecido (50,5%). Quando se trata de roubo, 29,5% deixaram de registrar o fato porque não consideraram o crime grave. Outros 28,4% disseram que a polícia não iria solucionar o caso.

Para vítimas, não adianta notificar

Segundo Leonarda Musumeci, professora do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Segurança e Criminalidade da Universidade Candido Mendes (Cesec), a Taxa de subnotificação gira, em geral, em torno de 70% a 80%. Ela diz que uma pesquisa de vitimização realizada pelo Núcleo de Pesquisa em Violência do Instituto de Medicina Social da Uerj, referente a 2005 e 2006, no município do Rio de Janeiro, mostrou que 72,4% das pessoas que disseram ter sido roubadas não haviam prestado queixa.

As razões, segundo a própria pesquisa, são variadas. Mais de um terço alegou que de nada adiantaria dar queixa. Outros motivos seriam o medo de represália e a suposição de que a recuperação do produto do roubo seria difícil.

Leonarda lembra, porém, que há exceções. No caso de roubo e furto de automóveis, por exemplo, a notificação atinge praticamente 100%, não só devido à exigência do seguro mas também pelo medo de a vítima responder por algum crime que venha a ser praticado pelo bandido que roubou o carro.

Nos casos de assalto a residência, diz ela, algumas pessoas deixam de prestar queixa devido ao medo de represália, uma vez que os bandidos conhecem o endereço da vítima.

A pesquisadora diz que se surpreendeu com o caso do ministro Guido Mantega:

- O que me chocou é o mau exemplo. Notificar uma ocorrência é o papel que a gente pode fazer para tornar esses crimes visíveis. Isso pode despertar nas pessoas o seguinte pensamento: se uma pessoa de projeção nacional, que tem um cargo público, não presta queixa, por que eu vou prestar? - afirma Leonarda. - Em geral, as pessoas argumentam que não notificam porque sabem que não vai adiantar nada. Mas só assim, notificando, poderemos ter um panorama mais realista das estatísticas para que a polícia possa tentar resolver o problema.

Polícia já prendeu suspeitos do crime

A Delegacia de Polícia de Ibiúna informou ontem que não descartou a suspeita de que os três jovens presos na última sexta-feira tenham sido efetivamente os autores do assalto à chácara onde o ministro Mantega foi mantido refém com a família e um grupo de amigos, no último dia 20. A polícia espera que mais vítimas do assalto tentem fazer a identificação dos suspeitos, que estavam encapuzados durante o assalto.

O empresário Victor Sandri, dono da chácara, não reconheceu os presos como os autores do assalto. Segundo a polícia, a hipótese será descartada apenas depois de outras vítimas tentarem o reconhecimento. Os homens estão presos na cadeia de São Roque (SP). Na casa de um deles, foram encontradas máscaras e coldres de armas. Os nomes dos detidos não foram divulgados.

De acordo com a polícia, desde que o empresário descartou a hipótese, foram iniciadas novas diligências pela região, em busca de mais suspeitos. Até o início da noite de ontem não haviam sido feitas novas prisões.

COLABOROU Soraya Aggege