Título: A condenação da impunidade
Autor: Weber, Demétrio e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 26/02/2007, O País, p. 3

Para especialistas, deixar de registrar queixa ao sofrer violência é atitude com efeitos negativos

Demétrio Weber, Isabel Braga e Flávio Freire

Juízes, políticos e especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO condenaram a atitude de quem se omite de registrar queixa ao sofrer atos de violência como um assalto. Para especialistas, a omissão contribui para a impunidade. A discussão foi motivada pelo caso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que não procurou a polícia para registrar a ocorrência, após ter sido mantido refém com a mulher e o filho durante assalto à chácara de um empresário em Ibiúna (SP), no carnaval.

O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Walter Nunes, considera que Mantega, na condição de ministro de Estado, deveria dar o exemplo. Para Nunes, o ministro sucumbiu ao medo de represálias por parte dos bandidos:

- Se uma autoridade como o ministro da Fazenda não confia no poder público para denunciar um crime da maior gravidade, é o caos total, é inaceitável.

O ex-deputado petista e procurador de Justiça Antônio Carlos Biscaia lembrou um princípio básico de qualquer investigação: começa depois que a polícia toma conhecimento do delito. Como a segurança pública é uma questão que afeta toda a sociedade, o ministro não poderia ter-se omitido:

- No quadro de violência que enfrentamos, a comunicação é dever de todo cidadão, principalmente quando se trata de pessoa pública. Participar do reconhecimento é outro dever. Senão, contribui-se para a impunidade.

Para o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flávio Pansieri, a atitude de Mantega reflete a visão de boa parte da sociedade de que procurar a polícia não resolve:

- Ele agiu como cidadão comum. Como ministro, reflete a sensação que os próprios governantes têm das suas políticas públicas de segurança.

Como Biscaia, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio, Wadih Damous, ressalvou que o Brasil precisa reduzir a pobreza e melhorar a economia. Mas, segundo ele, isso não justifica a tolerância com quem usa armas para subjugar suas vítimas, como ocorreu com Mantega.

- É preciso incentivar políticas sociais, reduzir a desigualdade e acabar com a miséria. Mas isso não pode justificar a omissão, principalmente partindo de autoridade pública. Não podemos aceitar a criminalidade como modo de vida - disse Damous.

Policial civil e deputada federal em primeiro mandato, Marina Maggessi (PPS-RJ) é uma das poucas a apoiar a atitude do ministro e de sua mulher, Eliane, que disse ser necessário que o país melhore sua economia para reduzir os índices de pobreza e violência.

- Não vi irresponsabilidade, vi consciência social. São declarações corajosas, que contribuem para a mediação de conflitos de classe.

Reconhecimento é o mais importante

Para o ex-secretário nacional Antidrogas Walter Maierovitch, Mantega deu mau exemplo:

- É evidente que ele não acredita na polícia e dá um baita mau exemplo. Não comunicar à polícia é deixar que os criminosos continuem a agir. É um estímulo ao crime. Se não comunicar à polícia, não há investigação, ninguém é procurado. Pode ser uma das causas remotas da impunidade.

O presidente da Associação dos Delegados do Estado de São Paulo, Sérgio Marcos Roque, ponderou que o ministro não teria que registrar ocorrência. Para ele, é comum que pessoas que ficaram reféns prefiram não denunciar por causa do trauma sofrido.

Já o secretário-executivo do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, promotor Raul de Godoy Filho, afirmou que o importante é que o ministro e as demais vítimas do assalto compareçam à polícia para ajudar nas provas de reconhecimento dos suspeitos.

- Não quero crer que o ministro tenha se omitido. Agora, mais importante é que as vítimas compareçam para fazer reconhecimentos de provas do crime ou de suspeitos. Caso não compareçam, aí, sim, vão colaborar para a impunidade.

"Se uma autoridade como o ministro da Fazenda não confia no poder público para denunciar um crime da maior gravidade, é o caos total"

WALTER NUNES