Título: Lula e os infiéis
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 27/02/2007, O Globo, p. 2

A infidelidade partidária não passa de uma infidelidade ao eleitor. Quando um deputado troca de partido depois de eleito, está traindo quem lhe deu voto, na crença de que atuaria em uma bancada, não em outra. esse vício não começou com o presidente Lula, e ele pode não estar estimulando a onda migratória em curso. Mas, quando aponta esses "realinhamentos" para justificar a demora em sua reforma ministerial, está legitimando práticas daninhas ao sistema político.

Desde a eleição, mais de 20 deputados trocaram de partido. Alguns já engordaram, como o PR, ex-PL. Outros já emagreceram, como o PPS. A migração é sempre para os partidos governistas, quando o governo é forte. Mas dá-se o contrário em tempo de vacas magras. A infidelidade e a indisciplina (o voto parlamentar desvinculado da orientação do partido) são a base do fisiologismo e, não raro, da corrupção política. A dupla dificulta muito a vida de quem governa, permitindo que as maiorias, aparentemente sólidas, desmanchem-se no ar quando o governo não contenta seus aliados. Collor que o diga. e, antes dele, muitos outros.

No ano passado, foi aprovada a alteração no regimento, proposta pelo ex-deputado Bismarck Maia, estabelecendo que a distribuição proporcional dos cargos na Mesa e nas comissões deve levar em conta a bancada que saiu das urnas. A última lei eleitoral fixou o mesmo parâmetro para o cálculo do tempo de televisão. Mesmo assim, a migração continua, estimulada pela equação bancadas/ministérios a que Lula indiretamente referiu-se.

Quando se fala em reforma política, um dos objetivos é coibir a infidelidade. Pelo projeto que está na Câmara, o deputado que mudar de partido antes de três anos, depois de eleito, perde o mandato. Mas há países com legislação ainda mais severa, estabelecendo que o mandato é do partido, não do parlamentar. Mudou de partido, assume o suplente.

Para o presidente do TSe, ministro Marco Aurélio de Mello, a questão da fidelidade está madura para uma decisão do próprio tribunal. Mas, para isso, diz ele, o tribunal teria que ser provocado por uma consulta.

Através do ministro Tarso Genro, o governo está estimulando a apresentação de propostas para a reforma política que contemplam, entre outros pontos, a fidelidade partidária. Também por isso não devia o presidente apontar como coisa natural o troca-troca em curso. É natural, é tradicional, mas não deve ser endossado.