Título: Pequenos delitos, crime de 40% dos presos
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 27/02/2007, O País, p. 3

Pesquisadora analisa processos e constata uso abusivo de prisão provisória, que ajuda a superlotar cadeias

Alan Gripp

BRASÍLIA. Genivaldo Pinheiro da Silva foi preso em flagrante depois de furtar nas ruas de Recife um telefone celular. Foi condenado a cumprir pena em regime aberto, mas, até que ocorresse seu julgamento, ficou em prisão provisória por um ano. Em Belém, Gleice da Silva Muniz e Andréia da Silva Tenório tentaram furtar peças de roupas em um shopping. Foram condenadas a cumprir uma pena alternativa, mas, até que a sentença fosse lida, ficaram encarceradas por dois anos e meio. Como eles, presos por Pequenos delitos representam cerca de 40% da massa carcerária brasileira, expondo uma distorção do sistema penal e ajudando a explicar a superlotação das cadeias.

Um estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) concluiu que, por trás dessa distorção, está o uso abusivo do expediente da prisão temporária que, em tese, só poderia ser aplicado aos casos de grave risco à ordem pública, de destruição de provas ou ameaça a testemunhas. Depois de analisar quase três mil processos de pessoas presas por furto em cinco estados, a pesquisadora e promotora Fabiana Costa descobriu que em capitais como São Paulo, Recife e Belém, mais de 35% das prisões extrapolam os cem dias previstos em lei.

Por outro lado, 70% não são condenados a cumprir pena em regime fechado. Recebem, na maioria dos casos, uma pena alternativa. E mesmo quando são encarcerados, em muitos casos o tempo da prisão já cumprida ultrapassa o tempo da pena.

- Ou seja, enquanto a Justiça tem grande dificuldade de punir criminosos em geral, acusados de furtos ficam presos ilegalmente, misturados a criminosos de alta periculosidade. Aquelas cenas horrorosas que a gente vê de pessoas amontoados nas celas são, em grande parte, de presos provisórios entulhados à espera de alguma definição - diz Fabiana.

"O efeito da prisão na vida da pessoa é dilacerador"

O levantamento mostra que, em Belém, presos provisórios por furto aguardam atrás das grade, em média, por um ano pelo julgamento. Em Recife, o tempo médio é de quatro meses; em São Paulo, dois meses, e, em Porto Alegre e no Distrito Federal, um mês. Os detentos são, em geral, pobres, negros e de baixa renda, incapazes de contratar um advogado. Na grande maioria dos casos, os furtos foram de pequeno valor - inferior a R$350 em cerca de 50% dos processos.

Segundo a pesquisadora, o fenômeno se repete em quase todos os estados brasileiros, e tem conseqüências devastadoras:

- O efeito da prisão na vida da pessoa é dilacerador: perde o emprego, a família se afasta e as portas se fecham. E as prisões provisórias colaboram para superlotar os presídios.