Título: Passos contra a impunidade
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 27/02/2007, O País, p. 3

PARA FREAR A VIOLÊNCIA

Congresso acelera projetos e Câmara deve mudar hoje regras de prescrição de crimes

Isabel Braga

ACâmara deve votar hoje mais um projeto do pacote de mudanças nas leis penais que entrou na pauta após a morte do menino João Hélio Fernandes, no Rio. O projeto muda as regras de prescrição de crimes, aumentando o prazo para a Justiça poder condenar um réu - o que, em tese, acabará com um dos artifícios legais que levam à impunidade no país. De autoria do ex-deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), o projeto extingue uma das modalidades de prescrição de crimes prevista no Código Penal: a regra que toma como parâmetro a pena dada pelo juiz no momento da condenação do réu (prescrição retroativa).

Um crime prescreve quando há um intervalo muito grande entre o ato e o julgamento do criminoso. O Código Penal estabelece dois tipos de prescrição de crimes: o que leva em conta a pena máxima, prevista no próprio Código, e a prescrição retroativa. Segundo Biscaia, esta última não tem paralelo na lei de qualquer outro país. No Brasil, em razão da morosidade das investigações e dos julgamentos, acaba se tornando um instrumento para atos protelatórios da defesa de criminosos e contribui para a impunidade.

Biscaia cita como exemplos crimes como estelionato e peculato (uso irregular de dinheiro público).

- É sabido que esses tipos de crimes reclamam apuração difícil, exigindo que as autoridades se debrucem sobre uma infinidade de documentos. Reclamam complexos exames periciais, o que acaba redundando, quase sempre, em extinção da punibilidade. A prescrição retroativa geralmente atinge o período da investigação processual - explica Biscaia.

Pelo menos mais 4 projetos em pauta

Como leva em conta a pena estipulada pelo juiz, muitas vezes, embora tenha sido condenado, o réu não cumpre a pena porque o crime prescreveu na contagem retroativa. O problema é maior para crimes em que a pena máxima não é muito elevada, caso de formação de bando ou quadrilha.

- Os réus passam a ter interesse em protelar o processo, pedem audiências, listam testemunhas - diz o deputado e juiz Flávio Dino (PCdoB-MA), favorável à proposta.

Já foram aprovados na Câmara o projeto que agrava a pena de bandidos que usam menores para cometer crimes; o que endurece o sistema de progressão de regime para os autores de crimes hediondos; e o que considera falta disciplinar grave o uso de celular por presidiários. No Senado, foi aprovado um projeto parecido com o da Câmara para aumentar a pena de bandidos que usam menores em crimes e o que impede o bloqueio de verbas da área de segurança. Todos esses projetos ainda serão submetidos a novas votações. Há pelo menos outros quatro em pauta, além do que muda a regra de prescrição de crimes.

Havia inicialmente um acordo de líderes para a votação do projeto sobre prescrição de crimes ainda ontem, mas dúvidas levantadas por alguns parlamentares adiaram a apreciação para hoje. Alguns deputados, entre eles o líder do PPS, Fernando Coruja (SC), levantaram dúvidas sobre as implicações do fim da prescrição retroativa. Uma delas foi em relação ao fim da prescrição de crimes de pequeno porte. A morosidade da investigação e dos julgamentos poderia permitir, na interpretação de deputados, a condenação de pessoas, por crimes menores, 15 ou 20 anos depois, quando socialmente o cumprimento da pena seria irrelevante.

O líder do PSDB, Antônio Pannunzio (SP), favorável ao projeto, acredita na aprovação hoje. Ontem, quando as dúvidas foram levantadas, o plenário já estava esvaziado e seria difícil votar a proposta.

- Algumas dúvidas foram levantadas. Vamos ouvir nossas assessorias jurídicas e cada partido deverá ir mais bem preparado para a votação amanhã (hoje). A idéia é votar. Já aprovamos a urgência - disse Pannunzio.