Título: Um país amedrontado
Autor: Jereissati, Tasso
Fonte: O Globo, 27/02/2007, Opinião, p. 7

O Brasil está com medo. Medo de sair às ruas, medo de parar nos sinais de tráfego, medo de deixar nossas crianças brincar fora de casa. Esse temor é mais do que justificável, diante do quadro de violência e - especialmente - de impunidade que nos assola, em todos os níveis. O que não se justifica é o medo de debater questões como o que fazer com os adolescentes que praticam os crimes tão bárbaros, como o caso do pequeno João Hélio.

Encastelados em suas posições, os defensores da permanência da maioridade penal aos 18 anos sequer admitem a possibilidade de debater o tema. Agarram-se, irredutíveis, a este conceito (ou será preconceito?) como Um dogma. Alguns chegam a argUmentar sob a falácia de que ao reduzir a maioridade os menores infratores seriam lançados aos presídios, onde irremediavelmente se transformariam em monstros irrecuperáveis. Ora, ninguém, pelo menos entre aqueles que tratam do tema com o mínimo de racionalidade, está propondo a redução absoluta da maioridade. Há as mais diversas formas de mitigação, graduando as penas e medidas socioeducativas proporcionalmente ao delito ou ato infracional.

Outros se baseiam em premissas verdadeiras. É certo que a lei não muda a sociedade - a violência tem também raízes sociais, nosso sistema penitenciário não recupera e ainda não se tornaram efetivas as normas e diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente. Também não se discute que o Estado tem de prover educação, saúde, habitação, gerar emprego e distribuir renda. Mas servem-se de tais verdades para desviar o debate de questões fundamentais: o que fazer então enquanto não se transforma a realidade que tem gerado esses trágicos episódios? Se é consenso que a impunidade gera a criminalidade, que tratamento dar àqueles adolescentes que - livres e conscientemente ou usados por criminosos adultos - se escudam no limite penal para fugir à responsabilização, assim alimentando a sensação geral de impunidade e indignação?

Concordamos que esses crimes bárbaros ainda são exceção. Mas, por serem exceção, sua gravidade não pode ser ignorada, como Um preço a ser pago pelo idealismo e suposta perfeição de Uma legislação que, se tem o mérito de entender a "condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento", também deve ser interpretada levando em conta "os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comUm" (ECA, art. 6º). A exceção, portanto, precisa ser punida com medidas igualmente excepcionais, sob pena de se transformar em regra.

Nossa proposta é de que, em determinados casos, desconsidere-se o limite da inimputabilidade penal aos 18 anos. A regra permanece, abrindo a possibilidade para que a lei venha a definir as condições em que esse limite não será levado em conta, evidentemente considerando as particularidades do crime e do adolescente que o praticou. Em que circunstâncias isso será admitido? Quem terá o poder de requerer a desconsideração da menoridade? A quem será dirigido o pedido? Que instâncias serão ouvidas? Em que espécie de estabelecimento será cUmprida a sanção aplicada? Todos os detalhes seriam definidos em lei, a cargo do Congresso Nacional, que debaterá com profundidade e equilíbrio.

Alguns temem que prevaleça a "legislação do pânico", com propostas contrárias ao espírito e aos princípios que norteiam o ECA, operando Um retrocesso na construção dos direitos hUmanos. Mas é para indagar: qual é o papel do Legislativo? Não é a nós, parlamentares, que cabe debater, discutir e produzir leis voltadas para o bem comUm? Não seríamos nós, nem as demais instituições, capazes de evitar distorções e encontrar a melhor solução?

Que cUmpramos o nosso dever com serenidade, mas sem medo de patrulhamento.

TASSO JEREISSATI é senador (PSDB-CE).