Título: Nova carta, 30 anos depois, pede fim da corrupção
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 27/02/2007, O País, p. 11

Jurista Goffredo da Silva Telles, que lançou manifesto contra ditadura, agora divulga texto em defesa da ética

Soraya Aggege

SÃO PAULO. Trinta anos depois de chacoalhar o Brasil do general Ernesto Geisel com a "carta aos Brasileiros", na qual pedia o fim da ditadura militar e que se transformou em marco histórico da democracia, o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior, de 92 anos, fez ontem um manifesto simbólico ao país. Ele redigiu outra carta, para pedir repressão à corrupção e mais atenção à ética. Dirigida aos calouros da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, a carta emocionou uma platéia de cerca de mil pessoas, diante das mesmas arcadas da mais antiga faculdade de direito do país, com 180 anos, onde em 1977 ele leu o texto endossado por dezenas de juristas. Conquistada a democracia, o jurista fez outro apelo:

"Não é de estranhar que, em épocas corruptas, de mensalões, sanguessugas etc, os setores normais da população vivam a clamar por "ética na política". Ah, meus amigos calouros! Permitam que eu, aqui, lhes dirija um veemente apelo. Não se deixem jamais seduzir pelas tentações da corrupção!", escreveu Goffredo, na carta lida ontem ao público.

Mais adiante, pediu: "A violação dessa ética (política) sempre perturba a convivência humana. Infringe a ordem, e necessita repressão".

Há 30 anos, Goffredo foi ovacionado ao ler a "carta aos Brasileiros", apesar da repressão da época.

"Estado de direito, já", pedia a carta de 1977

"Fiquemos apenas com o essencial. O que queremos é ordem. Somos contrários a qualquer tipo de subversão. Mas a ordem que queremos é a ordem do estado de direito. A consciência jurídica do Brasil quer uma cousa só: o estado de direito, já", dizia o texto, antes mesmo do movimento Diretas Já, que ganhou as ruas em 1984.

Goffredo foi professor da faculdade de direito da USP por 45 anos. Nos últimos anos, o jurista tem cuidado apenas de revisar sua obra. Mas, procurado pela faculdade para a recepção aos calouros, fez questão de se manifestar, mesmo que por escrito.

O presidente da Comissão de Recepção aos Calouros, Sérgio Resende Barros, foi quem leu o documento enviado por Goffredo. Na platéia, 300 calouros, advogados e jovens juristas. Nenhum dos signatários da carta, como Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato ou Miguel Reali Júnior (falecido), entre tantos outros.

- Eu perdi a oportunidade de assinar a carta na ditadura militar. Agora, quando formalmente a democracia está implantada, estamos sentindo uma grande falta de ética. Esperamos que essa Nova carta repercuta como um clamor, num momento em que se inicia um novo mandato político, tanto do executivo quanto do legislativo - disse Barros.

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco decidiu manter o tema ética durante todo o ano, alimentando o debate entre os estudantes, de acordo com Barros.

Goffredo atendeu ao GLOBO, por telefone, e explicou que não pode falar muito. Mesmo assim, fez questão de reafirmar sua crença no direito e explicar por que escolheu o momento para a manifestação:

- A minha Faculdade do Largo São Francisco é uma escola de vida. É uma história de harmonia, de convivência com os seres humanos. É, portanto, uma escola de ética e, em conseqüência, de amor ao próximo. O direito é contrário a toda espécie de corrupção - disse