Título: Tempo de conversão
Autor: Sales, D. Eugenio
Fonte: O Globo, 28/02/2007, Opinião, p. 7

D. EUGENIO SALES

AQuaresma é tempo propício de conversão, do retorno dos que se encontram distanciados de Deus. Dois instrumentos da graça divina nos são oferecidos para essa renovação e esse fortalecimento espiritual: a Confissão ou Reconciliação e a Comunhão. Recebendo-os, cumprimos um dever pascal.

A trajetória histórica dos sacramentos apresenta períodos de maior vitalidade e também de sombras, dúvidas e negações. Conforme o maior aperfeiçoamento de conceitos e crises, de épocas ou gerações, surgem falhas e também vitórias. São avanços ou retrocessos, mas sempre preservando o essencial desses canais da graça redentora deixados por Jesus à sua Igreja.

Hoje, a Eucaristia, Comunhão, e a Penitência ou Reconciliação sofrem impactos opostos. Quanto à primeira, verifica-se uma crescente participação, aumentam os comungantes, mas surge uma interrogação sobre a observância do indispensável estado de graça, adquirido pelo Sacramento da Confissão, requerido para uma adequada e frutuosa recepção da Eucaristia.

Um clima de que ¿tudo é permitido¿ ameaça atingir essa área sagrada e pode levar alguns a uma aproximação imprópria da mesa do Senhor. Indevida e sacrílega, produzirá a morte o que devia aumentar a vida.

Pelo documento ¿De Sacra Communione¿, da Congregação para o Culto Divino, continua firme a prescrição: ¿Ninguém que tenha cometido pecado mortal, ainda que arrependido, participe da mesa eucarística sem a prévia confissão sacramental¿.

A Confissão sempre encontrou resistência na natureza humana. Hoje, a maior ânsia de prazer e de liberdade, e a reação ao que exige sacrifício são, entre outras, causas da menor afluência ao tribunal sagrado.

Outro documento da Sagrada Congregação para o Culto Divino, com data de 2 de dezembro e divulgado a 8 de fevereiro de 1974, sobre o novo rito do Sacramento da Penitência, abriu grandes perspectivas pastorais para sua revitalização. O uso do termo Reconciliação indica um encontro do homem arrependido com Deus que perdoa.

A confissão, para quem não perdeu a vida espiritual, é como um remédio de revigoramento no encontro sacramental com o Cristo na cruz, fonte de toda reconciliação e da vida santificada. O novo rito, que, evidentemente, não altera a essência do sacramento, dá maior destaque ao caráter eclesial, comunitário, da reconciliação, pois há um prejuízo social no pecado.

No documento permaneceu a confissão individual, cujo ritual é enriquecido com elementos catequéticos e pastorais. Além disso, há a possibilidade da reconciliação em cerimônia coletiva, com acusação dos pecados e absolvição também individual, e também a confissão comunitária, com absolvição coletiva, esta em circunstâncias absolutamente especiais. Para a última, já foi dada clara orientação pela Santa Sé.

Ao ser notificada a reforma litúrgica da Penitência, houve destaque para o acessório. Assim, com certo sensacionalismo, afirmou-se terem sido supressos os confessionários. O documento, entretanto, remeteu às determinações do Direito vigente e às Conferências Episcopais. Eis o esforço pastoral da Igreja, conforme determinação do Concílio Ecumênico, sobre esses dois sacramentos.

Cabe a cada um o devido aproveitamento dessa fonte de favores divinos. Os resultados ultrapassam a esfera pessoal e irão beneficiar a coletividade católica, pela maior vitalização da presença divina.

Neste período do ano litúrgico, muito útil também recordar a Carta Apostólica ¿Misericordia Dei¿, sobre alguns aspectos da celebração do sacramento da Penitência. Merece uma particular reflexão esse ¿forte convite aos meus irmãos Bispos, e através deles, a todos os presbíteros para um solícito relançamento do sacramento da Reconciliação, inclusive com exigência de autêntica caridade e de verdadeira justiça pastoral, lembrando-lhes que cada fiel, com as devidas disposições interiores, tem o direito de receber pessoalmente o dom sacramental¿. Recordo que o Concílio de Trento declarou que é necessário, ¿por direito divino, confessar todos e cada um dos pecados mortais¿. E assim por diante.

O tempo litúrgico que vivemos é uma oportunidade para refletir sobre essas verdades. Elas são importantes para a saúde espiritual do povo de Deus.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.