Título: Vítimas de quem tentavam salvar
Autor: Braga, Ronaldo
Fonte: O Globo, 28/02/2007, Rio, p. 11

Três franceses de ONG que ajudava menores são mortos por funcionário da entidade.

Ronaldo Braga

Mais um crime brutal chocou a cidade ontem. Três franceses foram mortos a facadas, de manhã, em Copacabana, na sede de uma organização não-governamental que desenvolve projetos para menores carentes, na qual atuavam. Preso pelo crime, Társio Wilson Ramirez, de 25 anos, um ex-menor de rua, trabalhava na ONG há dez anos. Ele é acusado de ter desviado R$80 mil da entidade. Também estão presos pelo triplo homicídio dois cúmplices, que receberiam mil reais de Társio.

O crime aconteceu pouco depois das 7h30m, no escritório da ONG Terr¿Ativa, no terceiro andar do prédio 55 da Rua Ronald de Carvalho. Christian Pierre Doupes, de 38 anos, Delphine Douyère, de 36, e Jérôme Faure, de 42, foram mortos com facadas profundas pelo corpo. Delphine e Christian moravam no nono andar do mesmo prédio e tinham um filho de 2 anos. Jérôme, que vivia no décimo andar, foi amarrado a uma cadeira e chegou a ser torturado pelos criminosos. Társio, Luiz Gonzaga Gonçalves de Oliveira, de 27 anos, e José Michel Gonçalves Cardoso, de 25, vão responder a inquérito por triplo homicídio qualificado, crime punido com pena de 12 a 30 anos de reclusão.

Membro da equipe pedagógica da ONG, Jérôme era da cidade de Lyon e chegou ao Brasil em 1998. Já Delphine, secretária executiva da organização, veio da Normandia para o Rio em 1996. Christian, que cuidava da parte administrativa, era da cidade de Gers e chegou em 2003. Max, filho de Delphine e Christian, estava com a faxineira na hora do crime. O menino ficará com amigos dos pais até que sua avó, mãe de Delphine, chegue de Paris.

Cenas deixam policiais chocados

Quando os três acusados chegaram ao prédio, o porteiro os deixou entrar porque Társio lhe disse que os outros dois eram técnicos de informática. Segundo o delegado adjunto Marcus Castro, da 12ª DP (Copacabana), os três renderam Jérôme e o amarraram numa cadeira. Delphine e Christian chegaram logo em seguida e lutaram com os três bandidos. Policiais que fizeram a perícia ficaram chocados com as cenas que encontraram. As vítimas foram mortas com requintes de crueldade e havia sangue em todos os cômodos. Jérôme sofreu cortes por todo o corpo e, em alguns deles, o osso estava exposto. Já Delphine e seu companheiro sofreram cortes profundos no pescoço.

No momento do crime, um pintor, que trabalha numa obra próxima ao prédio, ouviu gritos abafados e avisou ao porteiro. O funcionário interfonou para a sede da ONG, onde Luiz Gonzaga disse que tudo estava bem. Logo em seguida, o criminoso saiu do prédio com as mãos ensangüentadas. Depois, quem desceu foi Társio, com uma mochila nas costas e também com sangue nas mãos. O porteiro então fechou a portaria principal e chamou a Polícia Militar. O próprio subcomandante do 19º BPM (Copacabana), coronel Eraldo Almeida Rodrigues, foi ao edifício, com mais quatro policiais. Ainda não se sabe como o terceiro bandido conseguiu deixar o prédio.

Társio foi levado para a 12ª DP. Responsável pelos pagamentos (do contador, de contas de luz, gás e telefone, entre outras despesas), ele disse, inicialmente, que tinha sido ferido por assaltantes. Em seguida, afirmou que ele e Delphine tinham dado um desfalque na ONG. Depois, alegou que fora ao escritório apenas para dar um susto nos responsáveis pela instituição, porque estaria sendo obrigado por eles a assumir o desvio de dinheiro.

O delegado Marcus Castro afirmou que o crime foi premeditado. Na semana passada, os três acusados estiveram na Rua Uruguaiana, no Centro, onde compraram quatro facas, duas máscaras de clóvis, luvas cirúrgicas e gaze. Dentro da mochila de Társio, foram encontradas as máscaras, as luvas e um pequeno cofre roubado da ONG.

Luiz Gonzaga foi preso no Hospital Alberto Schweitzer, em Realengo, onde era medicado por causa dos cortes nas mãos. Quando policiais lhe perguntaram como se machucara, ele alegou que fora cobrando uma dívida. Logo os policiais souberam, no entanto, que Luiz Gonzaga era procurado: ele esquecera um documento no lugar do crime. José Michel foi capturado numa loja de material de construção, na Rua do Riachuelo, no Centro, onde trabalhava como balconista.

Um colaborador da ONG, que não quis se identificar, contou que o casal de franceses fazia trabalhos sociais com menores carentes de Copacabana. Para o delegado adjunto da 12ª DP, o caso está esclarecido. Parentes das vítimas já foram avisados.

COLABOROU Célia Costa

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