Título: Barbárie choca comunidade francesa no Rio
Autor: Soler, Alessandro e Motta, Cláudio
Fonte: O Globo, 28/02/2007, Rio, p. 12

Diretor do Teatro Maison de France, Cédric Gottsmann desabafa: ¿Aqui o preço da vida é realmente menor¿

Alessandro Soler e Cláudio Motta

Da comunidade franco-belga carioca ao Ministério das Relações Exteriores da França, choque e incredulidade com a barbárie. O ministro Philippe Douste-Blazy divulgou um comunicado no qual diz ter tomado conhecimento, ¿com profunda comoção, do assassinato, no Rio de Janeiro, de três compatriotas que trabalhavam para uma organização não governamental.¿ O chanceler se colocou à disposição das autoridades brasileiras para ajudar no que for preciso. Por aqui, o renomado chef francês Roland Villard ficou bastante abalado. Ele era amigo de Jérôme e esteve com a vítima na noite de anteontem.

¿ Tomamos um drinque juntos. Ele freqüentava o meu restaurante, fazia teatro com a minha esposa. Nós nos conhecíamos há quase dez anos. Ele fazia um excelente trabalho na ONG. Eu sabia que tinha problemas com rapazes que estavam fraudando a contabilidade. Mas ontem (anteontem) não falamos sobre isso ¿ conta o chef. ¿ Jêrome era uma pessoa divertida, genial, jovial. Gostava muito do Brasil, passou a melhor parte da sua vida tentando ajudar na inserção social de brasileiros. Infelizmente foi assassinado por pessoas que ajudou.

Chef culpa a desigualdade social

Para Villard, os estrangeiros não são vítimas preferenciais da violência no Rio. O chef credita o estado de coisas ao abismo social do país:

¿ Todo mundo sabe que há mais de 3.500 assassinatos por ano no Rio, dez por dia. Foram franceses, mas poderiam ser outras pessoas. A noção de vida aqui não tem a mesma importância que em outros países. Gosto muito do povo e do país, mas a diferença social é enorme. Qualquer sociedade assim está sujeita a essas coisas.

Amigo das vítimas, o advogado Alexandre Novel contou que Delphine veio para o Brasil com Jérôme, para fazer doutorado em sociologia. Sua tese era sobre meninos de rua. Ambos se hospedaram com Novel, que ensinou português a ela. Ele alugou o primeiro apartamento para a francesa e foi responsável pela parte jurídica da abertura da ONG no Brasil.

¿ É uma lástima, estou chocado. Delphine praticamente adotou o garoto, então com 15 anos, para ele fazer esta atrocidade. Não dá para entender. Em 1990 ela estava na Bósnia, com a Cruz Vermelha. Tinha míssil, bomba, tudo explodindo e ela sobreviveu. Veio morrer aqui, assassinada pelas pessoas que ajudou ¿ disse Novel.

Diretor da ONG Médicos sem Fronteiras no Brasil, o belga Michel Lotrowska conhecia Delphine e Jérôme. Ele os descreveu como pessoas boas, que buscavam sinceramente ajudar os necessitados.

¿ Nunca trabalhei com eles, não era tão próximo, mas sempre os encontrava. No carnaval nos vimos num bloco. Eles eram do bem, pessoas que vieram para trabalhar, o que fizeram foi uma maldade pura ¿ disse. ¿ A insegurança no Rio afeta todo mundo. Estrangeiros como nós, bastante inseridos, vivem os mesmos riscos que qualquer carioca. O que ocorreu com eles não é típico nem da violência carioca cotidiana. É um drama.

`Aqui o preço da vida é realmente menor¿

Para o diretor do Teatro Maison de France, Cédric Gottsmann, as coisas estão piorando. Francês, ele vive há muitos anos no Brasil e diz estar cedendo a hábitos vistos, muitas vezes, como paranóicos:

¿ Recentemente instalei uma porta blindada no meu apartamento. Penso em comprar um carro blindado, também, uma idéia que jamais havia se passado pela minha cabeça. Amo o Rio, escolhi o Brasil, não vivo com paranóia, mas essa violência toda está começando devagar a mexer com a minha cabeça. Aqui o preço da vida é realmente menor.

O Rio Convention & Visitors Bureau e a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis não se manifestaram sobre o crime. Já o presidente da Associação Brasileira de Turismo Receptivo (Bito, na sigla em inglês), Roberto Dultra, acredita que o episódio não será particularmente daninho para o turismo:

¿ O crime não deixa de ser hediondo e horroroso, mas não tem nada a ver com turismo. Isso poderia ter acontecido em qualquer parte. Agora, a criminalidade sempre desgasta a imagem de qualquer cidade.