Título: Apelo a dois Luíze
Autor: Maciel, Everardo e Martins, Ives Gandra da Silva
Fonte: O Globo, 01/03/2007, Opinião, p. 7

Exageros à parte, imagino que nenhuma outra profissão regulamentada no Brasil tenha sido tão açulada, tão maltratada nos últimos tempos, quanto a dos jornalistas.

As investidas dos defensores da desregulamentação da profissão têm sido implacáveis. São exemplos: a tentativa de acabar com a exigência do diploma, colocando no mercado mais de 13 mil pessoas sem formação em jornalismo, como se jornalistas fossem; a sufocação da iniciativa de criação do Conselho Federal de Jornalismo, que permitiria fiscalizar e conter os desvios profissionais; o desrespeito à legislação trabalhista especialmente com a humilhante contratação de empregados como empresas fossem (PJ) - a denominada "pejotização" - e com o não-pagamento de horas extras; o impedimento da atualização da legislação que regulamenta a profissão, que é de 1969; a posição do governo obrigando os jornalistas à desmoralizante situação de terem que submeter suas propostas de atualização da legislação profissional ao crivo de outras profissões etc.

Agora, como se isso não bastasse, também está ameaçada, juntamente com os demais trabalhadores brasileiros, por uma norma que acaba de ser aprovada pelo Congresso Nacional, mediante emenda do ex-senador Ney Suassuna, ex-líder do governo no Senado, e que ora se encontra na mesa do presidente Lula para ser sancionada ou vetada.

Ao aprovar o projeto de lei que criou a denominada Super-Receita, acolhendo o pleito de empresários ávidos em mutilar a CLT, o ex-senador, num gesto de despedida, atinge os trabalhadores pelas costas dizendo que, "no exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá ser sempre precedida de decisão judicial".

Palavreado difícil para leigos em matéria jurídica, tal emenda significa nada mais nada menos do que condicionar a fiscalização do Estado a decisões judiciais. Tem ela um endereço certo: impedir o Estado de fiscalizar a fraude que se espalha pelo país como rastilho de pólvora, mediante a contratação de empregados como se fossem empresas.

É simples! O trabalhador - especialmente jornalistas e profissionais liberais - que necessita de emprego comparece ao balcão da empresa que oferece a vaga e ouve a fatídica condição: pode ser contratado, mas precisa constituir uma empresa, uma pessoa jurídica, uma "PJ". O contrato não será na Carteira de Trabalho, com direito a 13º salário, férias, Fundo de Garantia e aposentadoria pelo INSS, entre outros direitos, mas em documento à parte como se fosse uma prestação de serviço. Daí em diante - pasme, leitor -, o trabalhador passa a comparecer ao local de trabalho como se fosse um fantasma: a "senhora empresa" "João da Silva", "Maria da Penha", "Raimundo Nonato" etc.

Com isso, a um só tempo, fraudam-se a legislação previdenciária, com o não-recolhimento do INSS, a Receita Federal, com o não-pagamento do Imposto de Renda incidente sobre os salários, e o patrimônio dos trabalhadores, com o não-recolhimento ao FGTS etc. Mas frauda-se, principalmente, o próprio trabalhador, no nosso caso o jornalista, com o não-pagamento de férias e horas extras, de 13º salário, de previdência social, do fundo de garantia etc.

E o que pretende o ex-senador Ney Suassuna agora? Que esta situação absurda só possa ser fiscalizada pelo Ministério do Trabalho e pela agora Super-Receita, depois de a Justiça reconhecer a fraude. Ou seja, obriga o trabalhador a entrar na Justiça, esperar longos anos, para, ao final, depois que ela disser que de fato era uma relação de emprego e não prestação de serviços, esperar pela fiscalização.

Agora, responda rápido: qual trabalhador vai colocar seu emprego em jogo para entrar na Justiça, esperar anos a fio, para depois esperar a fiscalização do Ministério do Trabalho ou da Super-Receita?

Em conclusão, só resta um apelo a dois "Luízes". Ao presidente e ao ministro do Trabalho, mas, também, aos sindicalistas Luiz Inácio e Luiz Marinho: vetem este absurdo, sob pena de colocarem este vagão de cara para trás na História, rumo a 13 de maio de 1888.

MARIA JOSÉ BRAGA é diretora da Federação Nacional dos Jornalistas.