Título: O presidente e seu momento
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 02/03/2007, O Globo, p. 2

Bem disposto, tranqüilo e absolutamente senhor de si, de seu momento e de suas escolhas. Assim parecia ontem o presidente Lula na conversa informal que teve com um grupo de jornalistas, formato que prefere às entrevistas protocolares. Enquanto seus aliados roem as unhas de ansiedade, ele administra o tempo da reforma ministerial, cujo desfecho parece mais próximo do que o insinuado.

Diz a lenda que a lua-de-mel dos governantes termina com os cem primeiros dias. Que devem eles aproveitar esse tempo para, desfrutando de popularidade e tranqüilidade econômica, exercitar a autonomia que tende a se esvair com o tempo, que traz problemas e exige concessões. Lula parece estar seguindo o preceito. Jurando não ter pressa e estar completamente à vontade para montar o Ministério, continua mandando recados aos partidos, depois de louvar o segundo turno que lhe permitiu ampliar as alianças.

- Eles sabem que podem indicar, mas que a última palavra é do presidente. Que as escolhas devem levar em conta o interesse do país, e não apenas o dos partidos.

É claro que concessões serão feitas e que Lula está se apressando. A demora está causando muito desgaste, pode deixar seqüelas na coalizão. Ele vem sendo aconselhado a fechar o pacote antes da convenção do PMDB, no dia 11. Pode estar com tudo já engatilhado para anunciar as mudanças nos próximos dias. Mas, toureando os partidos, ele garantiu a escolha ou a manutenção de técnicos para pastas mais estratégicas. O recado de que a última palavra é dele vale para o PMDB, que jogou a toalha na disputa pelo Ministério da Saúde, deixando Lula à vontade para nomear José Gomes Temporão. Vale para o PT, que desistiu de brigar para colocar Marta Suplicy no Ministério das Cidades, contentando-se em propor seu aproveitamento na equipe, onde Lula quiser.

O mesmo PT, depois de muito ter hostilizado o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deve agora resignar-se com a sua permanência. Lula indicou isso com uma frase: "A equipe econômica está blindada pelo sucesso dela".

E tome elogios à política econômica, apesar do baixo crescimento do PIB. Mais do que ninguém, Meirelles é um dos responsáveis por ela desde o início. Lula já devia saber, quando conversou conosco, da saída do diretor Afonso Bevilaqua, anunciada no início da noite. Sabe-se, há alguns dias, que ele desejava manter Meirelles, mas queria a troca de diretores considerados muito ortodoxos. Objetivo: um Copom mais flexível com o ritmo da queda dos juros. Com o ritmo lento e o criticado estilo, Lula vem conseguindo remontar o governo a seu modo.

A poucos dias da chegada de Bush, foi cáustico ao dizer que os Estados Unidos erraram ao voltar as costas para a América Latina, mas negou que a política externa tenha algum antiamericanismo, o que seria uma tolice.

- O que não temos é uma relação subserviente, como décadas atrás.

O sentido da indicação do economista Paulo Nogueira Batista Júnior para uma diretoria do FMI, muito comentada por ser ele um crítico da instituição, é mesmo o de tentar contribuir para que ela mude.

- Este é um desejo. O FMI passou dez anos propondo receitas que não deram certo. Agora precisa discutir crescimento e desenvolvimento. É preciso haver alguma esperança para a África, o Haiti.

No tema candente da violência, Lula é contra a antecipação da maioridade penal e a autonomia dos estados para fazer suas leis penais. Temerário, pois as propostas têm muito apoio popular. Ele culpa os governos passados e o passivo social, prometendo medidas e uma aliança com os governadores. A ver, no dia 6.

Uma fala bem reveladora de sua autoconfiança neste momento de popularidade alta, partidos dóceis e economia sólida foi sobre a suspeita de que venha a pleitear um terceiro mandato. Para isso é que alguns petistas defenderiam a possibilidade de plebiscitos serem convocados por iniciativa popular.

- Não há hipótese. Seria brincar com a democracia - disse Lula, categórico, para depois emendar: - Eu quero fazer um segundo mandato melhor que o primeiro. E, naturalmente, quero influir na escolha de meu sucessor. Nada mais triste para um político do que ser rejeitado no palanque de seus pares. Quero terminar o mandato podendo recusar convites para subir em palanques.

Estocada em Fernando Henrique. Alguém disse, ele negou. Mas é curioso que tenha falado no plural: "palanques".