Título: Equipe econômica está blindada
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 02/03/2007, O País, p. 3

Lula diz que "sucesso" da economia garante continuidade, dando a entender que Meirelles fica

Tereza Cruvinel

Aequipe econômica está blindada por seu próprio sucesso, disse ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em café da manhã com jornalistas, dando a entender que isso inclui a permanência de Henrique Meirelles no Banco Central. Horas depois, foi anunciada a saída do diretor de Política Econômica do BC, Afonso Bevilaqua. De manhã, Lula reiterou seu otimismo, mesmo com o baixo crescimento do PIB em 2006, e, apesar das cobranças, manteve o discurso de que não tem pressa para concluir a reforma ministerial e nomear a equipe do segundo mandato.

Lula quis dar um basta nas especulações de que poderia pleitear um terceiro mandato, afirmando que não há essa hipótese, e disse que proporá aos governadores, na reunião de terça-feira, uma aliança em torno de duas prioridades: educação e segurança.

Nesse sentido, seu governo prepara medidas voltadas para a juventude e um conjunto de 42 iniciativas para melhorar a qualidade do ensino. Antes de viajar hoje para a Guiana, Lula examinará o esboço dessas medidas com o ministro da Educação, Fernando Haddad, e receberá o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), em audiência.

A seguir, os principais temas abordados na conversa, num salão do Palácio do Planalto:

TERCEIRO MANDATO: A especulação ganhou força com a proposta, de setores do PT, de incluir na Constituição a possibilidade de realização de plebiscitos por iniciativa popular. Daí, poderia surgir um movimento para que disputasse o terceiro mandato. Ele foi categórico:

- Não há hipótese. Seria brincar com a democracia. Eu fui eleito e reeleito de acordo com a legislação existente.

ELEIÇÃO/2010: O presidente admitiu, porém, que deseja influir na eleição de seu sucessor, aproveitando para dar uma estocada no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sem citá-lo:

- Eu quero fazer um mandato muito melhor do que o primeiro. E, naturalmente, vou querer influir na eleição de meu sucessor. Nada pode ser pior para um político do que ser proibido de ir ao palanque de seus aliados. Quero terminar o mandato podendo recusar pedidos para subir em palanques.

Na reforma política, o governo não se meterá, disse.

REFORMA DO MINISTÉRIO: Já não havia dúvidas sobre a permanência dos ministros da Fazenda e do Planejamento, mas o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, vinha enfrentando críticas e hostilidades de segmentos do PT. Após dizer que não tem pressa para concluir a reforma ministerial, ao ser perguntado sobre a equipe econômica, Lula disse a frase que parece ter tido Meirelles como endereço:

- A equipe econômica está blindada pelo sucesso dela mesma - disse Lula, embora evitando mencionar nomes.

Dizendo não ter pressa nem estar sofrendo pressões dos partidos, negou que sua demora esteja gerando paralisia nos ministérios.

- Se alguém acha que não vai ficar, deve trabalhar ainda mais. Estou absolutamente à vontade, não estou sofrendo qualquer tipo de pressão. O segundo turno foi uma dádiva de Deus, porque permitiu ampliar as alianças. Mas os partidos estão mostrando mais vontade de colaborar que no primeiro mandato. Podem indicar nomes, mas sabem que a última palavra é do presidente, levando em conta o interesse do país, e não o dos partidos.

O único partido que Lula ainda não ouviu é o PT, o que deve fazer nos próximos dias.

VIOLÊNCIA: "Não existe solução fácil e imediata", voltou a dizer o presidente, rejeitando duas das propostas em discussão. Sem citar seu autor, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), criticou a proposta de que cada estado tenha sua própria legislação penal:

- Depois as prefeituras vão querer também. Não resolve, temos que ter regras gerais, válidas para toda a sociedade.

Citando a visita que fez a um telecentro onde trabalham seis mil jovens pobres e da periferia, disse que só uma minoria se perde, vai para o crime, mas nem por isso deve-se lançar toda a juventude à sanha da repressão, com a antecipação da maioridade penal:

- O jovem que fez aquela barbaridade no Rio é fruto do acúmulo de erros de muitos governos anteriores. Não estou procurando culpados, mas esses jovens não tiveram oportunidades. Nós somos responsáveis, toda a sociedade é responsável - disse.

O presidente lamentou que o programa do menor aprendiz tenha fracassado, sugerindo:

- Se temos seis milhões de estabelecimentos comerciais, e se cada um contrata um menor, já é algo importante. A lei não pode obrigar, mas pode incentivar.

EDUCAÇÃO: Segurança e educação são problemas, diz Lula, que só poderão ser enfrentados com êxito se houver parceria entre União, estados e municípios. Depois de lançar o pacote educacional, pretende chamar os maiores educadores do país para apresentar sugestões. Citou três ex-ministros: Paulo Renato, Cristovam Buarque e Murilo Hingel. Dinheiro, a seu ver, não explica tudo. Num mesmo município há escolas boas e escolas pésssimas. Está pensando em visitar algumas. Quer ver a melhor e a pior.

Uma das medidas que parece estar em estudo é o aumento dos cursos noturnos nas universidades federais. Mas sugeriu outra:

- A dívida pública soma R$400 bilhões, metade com a Previdência. Por que não pegamos a dívida de algumas escolas particulares e exigimos que elas paguem na forma de bolsas de estudos?

CRESCIMENTO: Lula relativizou o resultado decepcionante do PIB em 2006 dizendo que, em outros momentos, o Brasil cresceu a taxas elevadas - uma média de 10% durante o milagre econômico e 7% nos anos JK - mas não houve crescimento da renda.

- O país continuou pobre. Ninguém tem mais pressa do que eu, que sou exposto a cobranças. Mas repito que é preciso cuidado para não se cair no buraco procurando fazer mágica.

Nunca na história republicana, voltou a dizer, houve tantos indicadores positivos. Contou ter ficado com inveja quando foi à Índia e viu os US$100 bilhões de reservas do país. Agora o Brasil chega a esta marca. Rebateu a afirmação de que a carga tributária continua alta, dizendo que seu governo já fez desonerações de cerca de R$26 bilhões.

- Não vou gastar mais, vou investir mais. Gasto não tem retorno. A meta do superávit de 4,25% será perseguida, mas sem obsessão.

INVESTIMENTOS: Disse que quanto mais se paga da dívida, melhor, porque reduz a relação dívida/PIB. Mas afirmou que é preciso investir, e que pelo menos 0,25% do PIB serão destinados a projetos pelo sistema PPI (não serão contabilizados como despesa):

- Estou muito satisfeito. O Brasil chegou a este ponto por mérito de muita gente, dos empresários, da boa situação internacional e também do governo.

PAC: O gerenciamento do PAC, afirmou Lula, vai bem. O pente fino agora está sendo passado no projeto de urbanização de favelas, que receberá R$12 bilhões em quatro anos. Cada governador será chamado a apresentar seus projetos. Haverá dinheiro para financiar a elaboração de projetos, mas com prazo marcado:

- Dinheiro parado é tudo o que a Fazenda quer, para fazer superávit.

GOVERNADORES/REFORMA TRIBUTÁRIA: Na reunião do dia 6, uma proposta de reforma tributária será apresentada aos governadores. Aécio Neves (PSDB), de Minas, já levantou a suspeita de que, com isso, o governo esteja querendo fugir da pauta de reivindicações apresentada por eles. Lula retruca:

- Eu convidei os governadores para uma reunião, e eles apresentaram a agenda deles. Tudo bem. Mas nós também vamos apresentar a nossa, o que não significa ignorar a deles. A segunda parte da reforma tributária não foi aprovada por falta de acordo entre eles. Vamos tentar de novo. O que não pode é continuar esta guerra fiscal.

O governo deve propor a inversão da cobrança do ICMS, que passaria a ocorrer no destino e não na origem, tema que divide os estados.

ENCONTRO COM BUSH: Se depender de Lula, a conversa com Bush terá o etanol como tema central:

- Quero dizer ao presidente Bush que o etanol pode mudar a matriz energética do mundo, mas que isso não pode ser obra de um só país - disse.

O presidente quer convencê-lo a deixar o milho para as galinhas e a fazer álcool de cana.

ANTIAMERICANISMO: Seria tolice, diz Lula, ignorar o papel dos EUA no mundo. O Brasil tem relação estratégica com eles e com a União Européia. Os EUA cometeram o erro, a seu ver, de voltar as costas para a América Latina:

- Nossa relação com os EUA é muito madura, mas não é de subserviência, como já foi em outras décadas. Relação de subserviência não gera respeito. Nem de mulher em relação ao marido.

AQUECIMENTO GLOBAL: Uma das críticas ao PAC é a de que não adotou parâmetros ambientais. Diante do relatório sobre aquecimento global, o governo estaria disposto a rever isso, firmando algum compromisso sobre a redução da emissão de gases? Parece que não:

- É preciso ter cuidado com o discurso dos países ricos. Eles falam que precisamos reduzir o desmatamento, o que é certo, mas não fazem nada para conter a emissão de poluentes, e são responsáveis por 70% disso. Eles precisam tomar a iniciativa. O Brasil está cavaleiro porque tem os biocombustíveis, duplamente benéficos ao Planeta. Cada árvore plantada ajuda a neutralizar o gás carbônico, e ainda produzimos energia limpa. O Brasil ainda tem 69% de suas florestas. A Europa, apenas 0,5%, os EUA, 0,3%.