Título: Mudança no BC após PIBinho
Autor: Duarte, Patrícia e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 02/03/2007, Economia, p. 21

Alvo preferido das críticas aos juros altos, Afonso Bevilaqua pede para deixar o cargo

Patrícia Duarte e Gerson Camarotti

Um dia depois de o Brasil tomar conhecimento de que a economia apresentou expansão de apenas 2,9% em 2006, o diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Afonso Bevilaqua, anunciou que está deixando o cargo. Apontado como o mentor da atual política monetária - com juros altos e impacto negativo sobre o crescimento - Bevilaqua foi o alvo preferido de críticas de parte do setor produtivo e do fogo amigo dos governistas nos últimos quatro anos, tempo em que ficou no cargo. Em seu lugar, assume o atual diretor de Estudos Especiais, Mário Mesquita, que acumulará temporariamente as duas funções e já era cogitado para o cargo.

- Estou saindo muito satisfeito - limitou-se a dizer Bevilaqua. Ele afirmou a interlocutores que a diretoria no BC foi o melhor cargo que já ocupou e o comparou a uma experiência de vida.

Perguntando se estava sofrendo muita pressão neste momento devido ao desempenho do PIB, respondeu:

- Na verdade, nos últimos quatro anos (está sob pressão) - afirmou, sorrindo.

Tanto Bevilaqua como o presidente do BC, Henrique Meirelles, esforçaram-se ontem para tirar o foco político da mudança, debatida com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último mês. Meirelles disse que, ao convidar Bevilaqua para a diretoria, no início de 2003, teria combinado que ele ficaria apenas por esse período - no qual firmou-se como o diretor de Política Econômica que mais tempo permaneceu no cargo - mas é inegável que estava desgastado.

Questionado se, ao perder seu braço direito, estaria mais exposto ao fogo amigo, Meirelles respondeu:

- Ele (fogo amigo) nunca me abandonou - acrescentando que não se sente enfraquecido com as mudanças - É normal que profissionais cumpram seu tempo no serviço público - argumentou .

A conversa definitiva entre Bevilaqua e Meirelles aconteceu ontem na hora do almoço. O diretor alegou que esse era o momento certo para sair e apresentou motivos pessoais. Diante da decisão, Meirelles considerou que o melhor seria anunciá-la logo para evitar especulações. Ficou acertado que haverá um período de transição. O diretor demissionário pode participar ainda da próxima reunião do Copom.

Assim que deixar o cargo, o diretor terá de cumprir quarentena de quatro meses e já tem planos para esse período.

- Vou caminhar na praia - afirmou ele, que mora no Rio.

A saída de Bevilaqua já era alvo de rumores há meses e ganhou contornos de inevitável após a reeleição de Lula. Com a meta do governo de acelerar o crescimento, Bevilaqua tornou-se um empecilho a ser removido. Ele era o principal alvo dos críticos da política monetária, considerada rígida demais e, portanto, um entrave a uma expansão mais forte da economia.

Apesar de dada como certa, a substituição de Bevilaqua ocorre num período em que a atuação do BC está sob forte questionamento. Na primeira reunião do Copom deste ano, realizada no dia seguinte do anúncio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o BC reduziu à metade o ritmo de corte dos juros básicos, para 0,25 ponto percentual. Políticos da base governista e da oposição, empresários e sindicalistas acusaram o BC de sabotar a meta do governo de acelerar o crescimento.

Saída honrosa foi negociada com Lula

Em conversas reservadas, o próprio Lula chegou a demonstrar contrariedade com o conservadorismo de Bevilaqua. Diante da ação de setores do PT para minar o diretor, Meirelles negociou, em reuniões com o presidente, uma saída honrosa para Bevilaqua, com o pedido de demissão por motivos pessoais.

Mas Meirelles deixou claro ontem que não deve ser esperada uma guinada na política monetária. Apesar da importância de Bevilaqua, o presidente do BC lembrou que as decisões do Copom são tomadas de forma colegiada. Por isso, ele não acredita que os trabalhos da instituição serão afetados: --- A política monetária é definida por regime de votação, formação de consensos diversos, pela independência e por critérios técnicos.

A avaliação feita ontem por interlocutores próximos de Meirelles é que a substituição desgasta o presidente do BC. Na condição de técnico, o diretor de Política Econômica assumia o desgaste de enfrentar as demandas do Palácio do Planalto. Meirelles perde, assim, um anteparo, uma pessoa que comprava as brigas que ele pessoalmente não gostaria de enfrentar. No entanto, o presidente do BC já recebeu sinal claro de que fica no cargo após a reforma ministerial.