Título: Assim não sai
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 03/03/2007, O Globo, p. 2

Infelizmente as notícias são ruins para a reforma política, que disputa com sua prima, a reforma tributária, o campeonato da dissimulação nacional: todos cortejam, mas, na hora H, caem fora. O presidente Lula disse que o governo ficará longe do assunto. O presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, decide recomeçar da estaca zero, o que põe a perder todo o esforço já realizado.

Na conversa que teve com jornalistas anteontem, Lula confirmou ter orientado o ministro Tarso Genro a entregar aos líderes partidários, e não aos presidentes das Casas do Congresso, a proposta consolidada pela OAB, que inclui sugestões do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão.

- A Presidência não vai se meter. Os partidos é que devem fazer a reforma política - disse Lula.

O distanciamento é conveniente ao governo pelo menos em dois pontos. Primeiro, ajuda a estancar as suspeitas de que haja um plano oculto (terceiro mandato ou seja lá o que for) sob as propostas menos convencionais, como a de incrementar o uso de plebiscitos e referendos. Depois, evita atritos com aliados, já que não existe consenso entre eles. Sobretudo com os pequenos partidos, que acabam de ser duplamente golpeados: com a ressurreição da cláusula de barreira e a aprovação final da nova regra de partilha dos recursos do Fundo Partidário. Então, não se meter pode ser bom para o governo, mas é ruim para a reforma. Sabe-se à farta que o Congresso é dependente químico do Executivo. Raramente aprova matéria sem sua alavancagem. Chinaglia vem conseguindo fazer a Câmara votar num ritmo louvável. Teve a iniciativa de incluir a reforma política na pauta de votações. Mas o que se esperava é que, costurado algum acordo com os partidos, pusesse em votação os quatro projetos que já foram aprovados pela Comissão Especial. Durante meses, sob a presidência do deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), a comissão debateu a reforma política, fez audiências públicas e seminários com especialistas. O deputado Ronaldo Caiado (PFL) produziu um relatório habilmente negociado a partir dos projetos encaminhados pelo Senado. Eles propõem o financiamento público de campanhas, o voto em listas fechadas, a fidelidade partidária e a federação de partidos (em lugar da esdrúxula coligação em eleições proporcionais, pela qual voto em Pedro e elejo Antônio). Aprovado, o Relatório Caiado seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça, onde o relator Rubens Otoni (PT-GO) introduziu pequenas mudanças. Está pronto para ir ao plenário. Ali, poderiam ser apresentadas emendas e mesmo substitutivos.

Chinaglia argumenta que os novos deputados, e eles são 244, devem ter o direito de participar do debate. Têm mesmo. Devem conhecer a matéria. Estamos tratando do sistema político, do modo de votar e ser votado, enfim, de pilares da democracia. Mas esse debate poderia ocorrer no plenário, preservando as etapas de tramitação já vencidas. Quem for contra o voto em lista pode propor o distrital misto, que bem atenderia às nossas particularidades: deputado basista que dispute no distrito. Deputado de opinião, que represente correntes de pensamento ou grupos sociais, que dispute na lista pelo voto proporcional. O que não podemos é continuar com este sistema eleitoral de voto na pessoa, que se financia como pode, não deve nada ao partido e faz do mandato o que bem entende. Não há tempo para divagação. O ano é este.