Título: Presidente do BNDES deverá deixar o cargo
Autor: Eloy, Patricia e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 03/03/2007, Economia, p. 29

Fiocca, homem de confiança de Mantega, é criticado por setores dentro e fora do governo.

BRASÍLIA, SÃO PAULO e RIO. Homem de confiança do ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do BNDES, Demian Fiocca, deve deixar o cargo. A atuação dele no comando da instituição vem sendo criticada por setores dentro e fora do governo, apesar dos indicadores positivos obtidos pelo banco ano passado. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria insatisfeito com o desempenho de Fiocca e chegou a verbalizar isso em reunião recente com técnicos do governo. Além disso, Fiocca enfrenta a oposição do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), um dos neo-aliados de Lula com mais prestígio no Planalto.

Segundo relato de um dos participantes, em reunião no Planalto, Lula cobrou explicações de Fiocca sobre o fato de o BNDES não estar conseguindo emprestar todos os recursos disponíveis, e usou um tom que chegou a causar constrangimento. Em conversas com assessores, Lula manifestou o desejo de ter à frente do banco alguém com um perfil de gerente, sobretudo no momento em que o BNDES se prepara para dar suporte ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Fiocca estaria refém da rotina burocrática da organização.

Embora Mantega negue, nos bastidores discutem-se alternativas para acomodar Fiocca em outro posto. Com a saída de Afonso Bevilaqua da diretoria de Política Econômica do Banco Central (BC), cresceram as apostas de que Fiocca pode ser deslocado para a diretoria de Estudos Especiais, tornando-se um ¿olheiro¿ de Mantega com assento no Copom, embora sem grande influência para alterar a política de juros.

Mantega e Fiocca tiveram uma longa reunião com Lula na quinta-feira ¿ dia em que foi anunciada a saída de Bevilaqua ¿ e foram jantar juntos. Desde que deixou o comando do BNDES, Mantega tem reuniões periódicas com Fiocca. Mantega negou ontem que tenha planos para Fiocca no BC. O BNDES não quis se manifestar.

Ministros negam que BC esteja submetido à política

Os ministros da área econômica vieram ontem a público reafirmar que a saída de Bevilaqua não representará mudanças na forma de atuação da instituição. Segundo Mantega, Paulo Bernardo (Planejamento) e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), o BC executa a política de juros a partir das diretrizes do Conselho Monetário Nacional (CMN), e nunca esteve submetido à política.

Com perfil conservador, Bevilaqua vinha sendo apontado como um dos principais responsáveis pela manutenção das altas taxas de juros.

¿ A política monetária não é feita por um diretor. É determinada pelo CMN e cumprida pelo BC. Nós temos um regime de metas de inflação. O CMN estabelece qual é a meta que o BC tem que perseguir, e o BC tem que fazer isso. Então, não muda absolutamente nada. As metas estão estabelecidas. O BC tem uma missão ¿ disse Mantega.

¿ O governo nunca administrou politicamente os juros, nem com partidos. O presidente Lula já reiterou várias vezes que o BC tem autonomia no aspecto técnico ¿ reiterou Paulo Bernardo.

¿ Isso é normal. Eu mudei de secretários durante todo o período de governo e ninguém me perguntou nada sobre mudanças na política do ministério ¿ disse Furlan.

Os ministros também deram declarações negando que pressões políticas e o chamado fogo amigo, especialmente do PT, tenham sido responsáveis pela saída de Bevilaqua.

¿ É uma troca de rotina, os diretores ficam algum tempo. Aliás, o Bevilaqua ficou até mais tempo do que os demais diretores ¿ afirmou Mantega.

O presidente do BC, Henrique Meirelles, afirmou ontem que a saída de Bevilaqua é um processo natural e não uma sinalização de que o BC pretende fazer substituições.

¿ Não há esse fenômeno de gatilho no banco ¿ disse ele, descartando que, após a saída Bevilaqua, o BC estaria ¿engatilhando¿ outras demissões.

Meirelles deu a entender que a indicação de Mário Mesquita para o lugar de Bevilaqua é definitiva, mas depende da confirmação de seu nome por Lula. Meirelles afirmou que o Brasil está entrando em uma nova fase de crescimento, e alfinetou os críticos do BC:

¿ Crescimento não é algo teórico, que se decide com a penada de uma caneta.

A saída de Bevilaqua foi comemorada pelos aliados, o chamado fogo amigo, mas considerada insuficiente para garantir uma mudança real nos rumos da política monetária, pelo menos a curto prazo. A avaliação é que Bevilaqua era apenas um entre vários diretores, e que as decisões continuam sendo tomadas ¿ em última instância, personificadas ¿ por Meirelles.

Um dos maiores críticos à política do BC, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) cobrou novamente uma mudança de postura do órgão, mas ressaltou que a saída de Bevilaqua não é garantia disso.

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Patrícia Duarte