Título: Congresso chinês se reúne para discutir propriedade privada
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 03/03/2007, O Mundo, p. 37

Projeto de lei pode revalidar direitos abolidos na Revolução Comunista.

PEQUIM. A China inicia hoje a sua semana anual de celebração democrática com a esperança de aprovar, na reunião anual do Congresso Nacional do Povo (CNP), a lei que vai regulamentar o conceito de propriedade privada, abolido após a Revolução Comunista de 1949 e incluído na emenda constitucional reformista de 1982. Ano passado, o projeto chegou a ser discutido no CNP, mas não foi votado por falta de consenso.

Praça da Paz Celestial tem segurança reforçada.

A Lei da Propriedade, como é conhecida, pretende dar proteção legal igual às propriedades públicas e privadas do país e vai servir tanto para dar mais confiança aos investidores, quanto acabar com os abusos em confiscos de terras de camponeses por governos locais, um dos maiores focos de distúrbios do país.

Começa hoje em Pequim a reunião do Conselho Consultivo Político do Povo Chinês (CCPPC), uma espécie de fórum de debates sobre temas de interesse nacional, composto de cerca de cem pessoas, do Partido Comunista da China (PCC) a representantes da sociedade civil. Na segunda-feira, começa o encontro do CNP com cerca de três mil delegados eleitos pelas assembléias das províncias, regiões autônomas e grandes cidades.

Na China, o Congresso se encontra uma vez só por ano e é, em tese, a mais alta instituição de poder do Estado. Muitos consideraram o Parlamento, no entanto, um mero carimbador de decisões já tomadas pelo Partido Comunista, que domina o Comitê Permanente do Congresso, formado por legisladores que efetivamente fazem as leis. Mas a importância do CNP como foro de discussões do rumo do país vem aumentando a cada ano.

¿ O Congresso está nas mãos do partido, mas é um importante momento para discutir o país ¿ diz o professor Peter Cheung, chefe do Departamento de Política e Administração Pública da Universidade de Hong Kong. ¿ É também a hora em que os representantes das províncias fazem suas cobranças à cúpula do partido.

Com a segurança reforçada em toda a região da Praça da Paz Celestial, onde fica o Grande Salão do Povo, palco da reunião, o governo espera avançar também na discussão da qualidade do crescimento da China, atormentada por crescentes índices de degradação ambiental ou com o aumento na diferença entre ricos das grandes cidades e pobres do campo.

O primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, deve abrir o encontro na segunda-feira com seu tradicional discurso em que deve fixar uma taxa de crescimento do país e anunciar medidas de proteção adicionais aos camponeses.

Uma olhada nas dezenas de projetos que serão apreciados pelo Parlamento mostra uma clara divisão entre os que buscam facilitar ainda mais o crescimento e os que querem maior assistência social. Há, por exemplo, o projeto que unifica as taxas de imposto pago para multinacionais e empresas chinesas. Hoje, as empresas estrangeiras pagam menos impostos, em média. Por outro lado, há o projeto que pretende criar metas para as taxas de desemprego em cada província.

A reunião do CNP também é o momento que os dissidentes chineses encontram para pedir mudanças, ainda que através de organismos no exterior. A ONG Human Rights Watch, por exemplo, divulgou ontem um apelo da associação ¿Mães da Tianamen¿ para que o governo abra um debate sobre o assunto e garanta o julgamento dos militares que ordenaram o massacre dos estudantes que, em 1989, marchavam por mais democracia na praça.